Crítica: Subsidência (dir. Beatriz Vilela e Marcus José)

Texto: Cleber Pereira. Revisão: Leonardo Amaral

Não há cenário

O cinema produziu dúzias de filmes a respeito de guerras, invasões, devastações e outras séries de história sobre a miséria humana. Com maior ou menor verba, estúdios construíram reproduções fiéis de cada local para narrar nossas tragédias. Quando Hollywood quer, levanta uma cidade cenográfica para depois destruí-la.

No filme Subsidência não há cenário.

Em 2018, um evento sísmico e uma rachadura na parede chamaram a atenção da sociedade alagoana para desníveis no solo. O buraco era mais embaixo – e esse não é um jogo de palavras. Décadas de extração de sal-gema criaram um oco sob o asfalto de Maceió e no coração de gerações de famílias. Beatriz Vilela e Marcus José usam da ficção numa cidade pós-apocalíptica, absolutamente destruída e abandonada, exceto pela presença da protagonista, que acorda e se depara com a desolação da casa sem teto, sem portas. Como num filme de Neill Blomkamp (Chappie, Distrito 9), percebemos que a terra arrasada é resultado da exploração pelo capital, que gera pobreza, separa pessoas e destrói vidas.

A rachadura na parede que se transforma no total vazio, no espaço de uma noite, é a representação cruel de todos os (ex-)moradores dos quatro bairros atingidos pelo afundamento do solo. Sem chão, essas pessoas tiveram sua dignidade rasgada e seu cotidiano alterado violentamente – para sempre. O cenário é real e isso é o que torna Subsidência um filme forte. É doloroso assistir às tomadas aéreas, porque até para quem não é da cidade nem conhece a sequência dos fatos, ver a dimensão da destruição causada por uma empresa naquelas ruas, pela negligência do Estado, é assustador e arrepia. É mais triste ainda pensar que novas e mais impactantes imagens poderão ser feitas, muito em breve, sem o que sobrou das casas. É sabido e tragicamente esperado que tudo afunde. Só restará um imenso buraco no meio de uma capital e um vazio impreenchível para as famílias afetadas.

Subsidência é muito mais que uma ficção: é um registro, um grito e uma denúncia.

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