Curta alagoano “A Barca” tem umas das 15 melhores fotografias brasileiras do ano, segundo a ABC

Texto: Rafhael Barbosa. Fotos: Vanessa Mota.

O cinema alagoano acaba de conquistar mais uma importante distinção nacional.  Após sua première na Mostra Foco do último Festival de Tiradentes, realizado em janeiro, o curta-metragem alagoano A Barca foi pré-selecionado para o Prêmio ABC 2020 na categoria Melhor Direção de Fotografia.

A lista foi divulgada na última quinta-feira (02) pela Associação Brasileira de Cinematografia.  O trabalho é um dos 15 títulos brasileiros selecionados entre 135 obras inscritas. A comissão de seleção foi composta por sócios da ABC e apresenta a primeira triagem da premiação, que terá um novo turno realizado entre os dias 02 e 16 de abril.  Os cinco trabalhos mais votados em cada categoria irão participar da votação final, que acontecerá entre os dias 18 e 30 de abril. Os vencedores do Prêmio ABC 2020 serão conhecidos na festa de premiação, no dia 17 de outubro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

A direção de fotografia do curta é assinada por Michel Rios, profissional que iniciou sua carreira no cinema em produções alagoanas como O que Lembro, Tenho e Exu – Além do Bem e do Mal, antes de fixar residência em São Paulo. A equipe do departamento de fotografia do filme também contou com o trabalho do assistente de câmera pernambucano Chapola Silva, do iluminador Moab Oliveira e do finalizador Marcos André Caraciolo, ambos alagoanos.

“O Prêmio ABC é um reconhecimento significativo dentro da área técnica do cinema brasileiro. A Barca dentro dessa seleção significa o caminho natural da evolução pela qual o cinema de Alagoas passa. Penso que serve como mais um estímulo para que as políticas de fomento ao audiovisual sejam mantidas e ampliadas. O audiovisual é um campo da economia criativa que abastece o mercado com outros produtos, dada a crescente demanda dos streamings por conteúdo”, diz Michel.

A Barca  foi um dos projetos contemplados no IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas/Secult-AL (em parceria com os Arranjos Regionais do FSA), com produção da La ursa Cinematográfica em co-produção com a VTK. Além da Mostra de Cinema de Tiradentes 2020, o filme também participou da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, foi finalista do Eurasia International Monthly Film Festival 2020 e recebeu o prêmio de melhor roteiro adaptado no VI Festival Brasil de Cinema Internacional FBCI.

Equipe na barca que foi locação para o filme.

DESAFIO TÉCNICO E ARTÍSTICO

Inspirado num conto de Lygia Fagundes Telles, a ficção marca a estreia do escritor Nilton Resende na direção. Na narrativa, que acontece numa noite de Natal, duas mulheres travam um diálogo dentro de uma barca, enquanto ela desliza por sobre as águas de uma lagoa escura e gelada. Um acontecimento inesperado deixa sua marca no término dessa travessia.

Por se tratar de uma história noturna e situada dentro de um barco em movimento com o motor ligado, a produção representou um grande desafio técnico e artístico para os profissionais.

Desde a montagem da equipe, que teve uma composição reduzida para caber dentro da embarcação, até a escolha da câmera e das lentes que permitissem capturar as imagens com uma iluminação extremamente limitada, as decisões técnicas foram fundamentais para o  êxito do projeto.

Outra característica importante da cinematografia do filme é que 100% dos takes foram feitos com a câmera no ombro ou na mão, sem o uso de tripé.

Segundo Michel Rios, a decisão surgiu tanto a partir de uma dificuldade técnica, já que a trepidação do barco causaria interferências na imagem, como de uma escolha conceitual,  uma forma de aproximar o espectador das personagens, e dar ao filme um ponto de vista com vida e movimento.

Com experiências em longas como A Morte Habita a Noite, de Eduardo Morotó, Cavalo, de Rafhael Barbosa e Werner Salles, e na série Dom, do Amazon Prime, o operador de câmera  Chapola Silva fala sobre o trabalho no curta.

“Foi uma câmera na mão dentro de um barco onde tudo estava balançando. Isso exigia muito da sensibilidade do sensor e o máximo de trabalho corporal. Utilizamos bem o recurso de estabilização interna da Sony A7sII Apha, e um Shoulder hand para ajudar na estabilização. Também foi desafiador pensar, junto ao fotógrafo, a escolha da câmera e das lentes que seriam utilizadas. Depois de discutir e pesquisar bastante, selecionamos a Sony A7sII da linha Mirrorless, com um sensor claro, e um kit de lentes Canon com um bom diafragma. O equipamento nos entregou boas imagens na penumbra da noite, que era a proposta do filme.”

O iluminador Moab Oliveira (Cavalo, Trincheira) também precisou encontrar soluções criativas para as condições de filmagem que a história impunha.

“A grande dificuldade desde o início era a fonte geradora de energia. Não era possível usar um gerador, por conta do barulho, e não dava para ligar na energia da rua, porque estávamos num barco dentro da água. E aí tivemos a ideia de usar um inversor de frequência, que transforma energia de 12w em 220w, e com isso conseguimos ligar um dimmer digital para controlar a intensidade das luzes. Tudo ligado a esse inversor e a duas baterias de caminhão, de 150 amperes. Ainda assim, só utilizamos luzes de led em toda a iluminação do filme, porque tem um consumo muito menor do que as lâmpadas de filamento”, explica ele.

ORIGEM LITERÁRIA

Todo o esforço técnico da equipe foi direcionado para materializar uma história que já tocou milhões de pessoas de diferentes gerações. O conto Natal na Barca, que deu origem ao filme, foi escrito pela paulistana Lygia Fagundes Telles e publicado pela primeira vez no livro Histórias do Desencontro (1958). Posteriormente  publicado em Antes do Baile Verde, esse é um dos textos mais famosos da autora. Além de estar presente na maioria das antologias de contos lygianos, ele é também presença certa em antologias que trazem histórias que se passam no período natalino.

No filme, algumas pessoas estão numa barca que navega por uma lagoa gelada e escura (no conto, é um rio). São elas: uma mulher que pela primeira vez pega aquela barca (Ane Oliva); uma outra mulher (Wanderlândia Melo), que mora na região e leva consigo o filho doente (Yan Claudemir), um bebê, para que seja examinado por um médico; um bêbado (Rogério Diaz) que dorme deitado num banco; a condutora do barco, interpretada por Aline Marta (no conto, um condutor).

Cada uma dessas personagens está carregando consigo seus próprios dramas, nessa noite escura da alma, mas, durante o trajeto, surge um inevitável diálogo entre as duas passageiras, culminando num acontecimento inesperado que deixará sua marca no término dessa travessia.

“O Nilton é um grande conhecedor do universo da Lygia. No início, a ideia de transformar aqueles sentimentos em imagem em movimento era um grande enigma. Mas, por ser um projeto antigo do Nilton, isso ajudou na maturação do roteiro, deixando ele em banho maria para depois voltar a pensar nas imagens e na atmosfera. O roteiro, assim como o conto, é por si só muito imagético, muito cinematográfico. E isso nos ajudou muito a chegar no resultado. Ler coisas da Lygia e tentar traduzi-los para o campo visual do filme da maneira que construímos me deixou bastante feliz. Acho que toda a atmosfera que criamos em termos de luz e enquadramentos deixa a fotografia a serviço da narrativa. Ela não nem é mais nem menos. É exatamente do tamanho que deve ser. Talvez ela também tenha sido levada pela barca deslizando sobre a lagoa, guiando-se pelos acontecimentos que lhe são dados”, completa Michel Rios.

Michel Rios e Chapola Silva, diretor e assistente de fotografia, respectivamente.

 

CONFIRA A LISTA DOS CURTAS-METRAGENS PRÉ-SELECIONADOS PARA O PRÊMIO ABC 2020:

A Barca – Michel Rios
A Prometida – Jacob Solitrenick, ABC
Carne Fresca – Erick Ricco
Deserto Estrangeiro – Luciana Baseggio, DAFB
Depois – Tiago Scorza
E o Resto é Silêncio – Caio Nigro
Ele Não – Felipe Hermini
Fogo Selvagem – Flora Dias, DAFB
Lugar Algum – Jerome Kim
Ninguém Lembrará – Mauricio Baggio
Nininho – Yuri Maranhão e Giordano Maestrelli
O Homem das Gavetas – Rafael de Almeida
Oni – Bruno Risas
Prefiro Nunca Ser Identificada – Júlia Drebtchinsky
Swinguerra – Pedro Sotero

SOBRE A ABC

A Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), fundada em 2 de janeiro de 2000, reúne profissionais do audiovisual brasileiro, especialmente diretores de fotografia, com o objetivo de incentivar a troca de ideias e informações para democratizar e multiplicar o aperfeiçoamento técnico e artístico da categoria.

Hoje são mais de 300 associados e uma série de atividades realizadas. Através de um fórum, exclusivo para associados, da Sessão ABC, Prêmio ABC, Semana ABC e do Informe ABC, boletim eletrônico enviado a cerca de dois mil assinantes, procura-se incentivar a troca de ideias e informações a respeito da área, além de dados sobre aperfeiçoamento técnico e artístico.

Desde 2002, a Semana ABC de Cinematografia promove conferências, painéis e debates, que reúnem personalidades de diversas áreas do setor, do Brasil e do exterior, além de outros profissionais do audiovisual, estudantes de cinema e demais interessados. No evento discute-se temas atuais, atualiza-se a respeito de novidades no setor e aborda-se novas tendências de trabalho no Brasil e mundo afora.  Após a Semana, toda a programação é disponibilizada em streaming no site. Um dos grandes momentos do evento é a entrega do Prêmio ABC, que encerra a Semana.

SOBRE A BARCA

A BARCA
Ficção, curta-metragem. Lançado em dezembro/2019.
Baseado no conto Natal na Barca, de Lygia Fagundes Telles.

SINOPSE

Na noite de Natal, duas mulheres travam um diálogo dentro de uma barca, enquanto ela desliza por sobre as águas de uma lagoa escura e gelada. Um acontecimento inesperado deixará sua marca no término dessa travessia.

FICHA TÉCNICA

Roteiro e Direção: Nilton Resende
Assistência de Direção: Rafhael Barbosa
Direção de Produção: Nina Magalhães
Assistência de Produção: Leandro Alves
Direção de Fotografia: Michel Rios
Assistência de Fotografia e Operação de Câmera: Chapola Silva
Montagem: Lis Paim
Correção de Cor, Supervisão de Efeitos Visuais e Composição Digital: Marcos André Caraciolo
Direção de Arte: Nina Magalhães
Assistência de Arte e Maquiagem: Nathaly Pereira
Som Direto: Leo Bulhões
Edição de Som e Mixagem: Lucas Coelho
Still e Making Of: Vanessa Mota
Iluminação e Elétrica: Moab Oliveira
2ª Assistência de Direção e Logagem: Paulo silver
Design Gráfico e Lettering: Nataska Conrado
Preparação de Elenco: Nilton Resende
Elenco: Ane Oliva, Wanderlândia Melo, Aline Marta, Yan Claudemir e Rogério Dyaz.
PRÊMIO: Projeto contemplado no IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (em parceria com a linha de Arranjos Regionais do FSA)
PRODUTORA: La Ursa Cinematográfica e VTK Produções

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