Da ideia a pluralidade de vozes que narram o Festival Alagoanes

 

Texto: Larissa Lisboa.

A construção do projeto do Festival Alagoanes para o Prêmio Professor Elinaldo Barros em novembro de 2020 partiu da reunião de alguns desejos compartilhados pelas produtoras culturais alagoanas Larissa Lisboa e Karina Liliane, escrevo esse texto para dar visibilidade a quatro deles: o de celebrar o centenário do audiovisual alagoano,  o de construir um e-book que registrasse o Festival Alagoanes, o de construir um festival que tivesse como embasamento as ações formativas, e o de realizar ações comprometidas com a inclusão social e a diversidade.

O que ou quem define o início de um cinema numa localidade?

A primeira sessão paga com público de cinema mundial foi escolhida para ser reconhecida por inúmeros autores e pesquisadores como a data de início do cinema, por isso em 28 de dezembro é celebrada a invenção do cinema, em referência a sessão que os irmãos Lumiére realizaram na mesma data em 1895.

No Brasil, o dia do cinema brasileiro é comemorado duplamente, em 05 de novembro, data da primeira sessão realizada no país em 1896 na Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro; e em 19 de junho em alusão aos primeiros registros feitos pelo italiano Afonso Segreto em 1898, que filmou a Baía da Guanabara a bordo do navio Brésil.

Já em Alagoas, as primeiras imagens foram feitas pelo italiano Guilherme Rogato, que em 07 de abril de 1921 exibiu suas duas primeiras produções audiovisuais, os curtas  Carnaval de 1921 e A Inauguração da Ponte de Cimento em Victória no Cine-Teatro Floriano em Maceió.

Identificando essa como uma das datas da história do audiovisual alagoano a serem reconhecidas e comemoradas, o Festival Alagoanes buscou celebrar o centenário das primeiras exibições de filmes realizados em Alagoas com a exibição online de 94 filmes realizados e produzidos por alagoanes e/ou residentes em Alagoas entre 22 de março e 20 de abril de 2021.

Sobre a busca pela difusão da memória do audiovisual alagoano

Em Alagoas não há muitas obras que registrem a memória e a história da cultura realizada pelas pessoas que residem em Alagoas. Em audiovisual, Elinaldo Barros é uma pulsante referência através de seus livros Panorama do Cinema Alagoano (1983, 2010), Cine Lux – Recordações de um Cinema de bairro (1987), Rogato – A Aventura do Sonho das Imagens em Alagoas (1994) e Pelos Caminhos do Cinema e outras veredas (2019). É possível encontrar artigos e dissertações que tenham se debruçado a dialogar/registrar o audiovisual alagoano, mas ainda lidamos com a realidade de ausência de recursos para pesquisas, escritas e publicações.

Em 2018, a convite do Fórum Setorial do Audiovisual Alagoano (FSAL), o Alagoar colaborou na realização de um catálogo construído com o objetivo de apresentar o audiovisual alagoano no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Cinema Sururu – O novo audiovisual produzido em Alagoas (2018), que teve um quantidade limitada de exemplares e foi lançado em Brasília-DF na programação do Festival.

A pesquisa e produção de conteúdo foi feita por Amanda Duarte, Leonardo Amaral, Janderson Felipe e por Larissa Lisboa, a partir da referência de obras que participaram da Mostra Sururu de Cinema Alagoano (2009 a 2017), propondo um recorte com mais ou menos cinquenta obras. A curadoria e coleta de informações dos filmes participantes da Mostra foi realizada em quatro dias. Cinema Sururu contou também com espaço para apresentar obras em desenvolvimento contempladas por editais públicos em Alagoas. 

Longe das condições ideais, resultado de trabalho voluntário e sendo ou não conhecido em Alagoas, ou mesmo reconhecido como uma publicação que deva ser usada como referência, este foi/é o primeiro catálogo sobre o cinema alagoano que foi lançado.

Em 2019, como celebração dos 10 anos da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, o FSAL construiu o Catálogo Comemorativo – 10 anos da Mostra (2019), tendo Maysa Reis e Rafhael Barbosa como responsáveis pelo conteúdo e pesquisa, partindo do levantamento realizado para o Cinema Sururu (2018). O Catálogo Comemorativo foi lançado no encerramento da 10ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano.

Seja em formato de catálogo ou em outro formato, a realização de publicações impressas ou virtuais sobre o audiovisual alagoano proporciona reflexões, diálogos, críticas, referências, além de ser um investimento no registro e preservação da memória da cultura alagoana. 

Cabe mencionar também um livro ainda inédito, organizado por Larissa Lisboa, juntos aos pesquisadores/autores Karina Liliane, Roseane Monteiro, João Paulo Santos e Amanda Duarte, resultado do Grupo de Estudos Ateliê Sesc de Cinema 10 anos, ação que tinha como objetivo a construção de um registro do Ateliê que ainda não foi publicado.

Munidas dessas referências locais e cientes da carência de publicações que registrem a memória do audiovisual alagoano, Larissa e Karina buscaram prever a construção do e-book sobre o Festival Alagoanes na elaboração do projeto com o objetivo de reconhecer as vozes presentes na ação, registrar sua memória e investir na difusão do audiovisual local.

Foram organizadores do e-book Karina Liliane, Roseane Monteiro Virginio e Guilherme de Miranda Ramos, o processo de elaboração, pesquisa, coleta de material, escrita, revisão, diagramação e trâmites burocráticos foi realizado entre julho de 2021 e outubro de 2022. É composto pelos textos: Cinema em Alagoas: a construção poética do audiovisual chega ao seu centenário (Emanuella Lima), Festival Alagoanes: processo, pesquisa e formação (Larissa Lisboa) e Festival Alagoanes em números (Karina Liliane); Carta da Curadoria (Allexandrëa Constantino, Benjamin Vanderlei, Jessica Conceição, Wanderlândia Melo e Ziel Karapotó); textos de cobertura (sobre cada um dos 94 filmes) criados por Beatriz Vilela, Fabio Cassiano, Larissa Lisboa, Roseane Monteiro e Tatiana Magalhães; e 25 críticas escritas pelos participantes da oficina de crítica de arte (Hellen Araújo, Joelma Araujo, Karlla Sart, Matheus Costa, Dayvisson Matheus, Thame Ferreira e Vanderléa Cardoso).

Festival Alagoanes: 100 anos de Audiovisual em Alagoas está disponível para download desde o seu lançamento no dia 09 de novembro de 2022, além de baixar o seu exemplar e compartilhar com quem você desejar, você também pode conferir a gravação do bate-papo realizado com alguns dos autores do e-book que está disponível pelo canal do Youtube do Alagoar.

A construção de um festival com ações formativa como seu DNA

A proposta de realizar a oficina de curadoria, foi a base do desejo de realizar um festival que tivesse ações formativas como sua força motora, pois ao ousar acolher a construção da curadoria e da sua programação numa ação formativa, o Festival Alagoanes potencializou mais do que anteviu a troca entre as pessoas da equipe de curadoria, assim como abriu espaço para que houvesse mais troca entre as temáticas, o público e os filmes.

A primeira das seis ações formativas do Festival foi a oficina de curadoria ministrada por Regina Barbosa, realizada com Allexandrëa Constantino, Benjamin Vanderlei, Jessica Conceição, Wanderlândia Melo e Ziel Karapotó. Oficina composta por seis encontros e pela consultoria de Regina Barbosa junto a equipe nas reuniões do processo de construção da curadoria. 

Ao desejar realizar um evento que celebrava a memória do audiovisual alagoano, as autoras do projeto do Festival Alagoanes, Larissa e Karina, priorizam a realização da oficina de crítica de arte entre as ações formativas previstas, para viabilizar que os participantes fossem estimulados a acompanhar o festival e escrever sobre os filmes, o que foi previsto para ser publicado posteriormente em um e-book.

A oficina de crítica de arte foi ministrada por Guilherme de Miranda Ramos e foi a segunda ação formativa realizada pelo Festival Alagoanes, com dez encontros on-line. Os participantes foram estimulados a acompanhar o evento e como resultado da oficina produziram 25 textos sobre 24 filmes do Festival.

Com o objetivo de dar vazão a demandas que ainda carecem de investimentos para serem visibilizadas, foram realizadas as ações formativas oficina Cinema de Guerrilha com Rosa Caldeira e a oficina Devires Negros e Indígenas no Cinema com Janderson Felipe. Com a realização destas oficinas foi possível identificar que não faltavam motivos para abrir mais espaços para abordar o cinema de guerrilha em especial voltado as pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ e para dialogar e pesquisar sobre as presenças dos negros e indígenas no cinema.

Entre as obras produzidas como exercício da oficina Cinema de Guerrilha está o filme Sereia de Ronald Silva que foi exibido em mostras e festivais, entre eles a 12ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano, 10° Rio Festival de Cinema LGBTQIA+ e a 5ª Mostra Sesc de Cinema – Panorama Alagoas.  

Focando na presença das mulheres foi realizada a oficina A Mulher no Cinema Brasileiro: Rotas e Desvios, ministrada por Ramayana Lira de Sousa. Já a sexta e última ação formativa foi realizada como contrapartida gratuita do Festival Alagoanes, a oficina Panorama do Cinema Alagoano ministrada por Larissa Lisboa.

Exercitar o compromisso com a inclusão social e a diversidade

As autoras do projeto do Alagoanes sinalizaram o desejo de se comprometer com a inclusão social e a diversidade, da escrita a realização do projeto, realizando convocatória voltada para mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ para as vagas de design e desenvolvimento do site. Cuidando para compor a equipe com pessoas não binários e trans, além das pessoas cis.

Investindo na realização de coleta de dados junto às equipes dos filmes que foram compartilhados parcialmente no perfil do instagram do Alagoar e que estão disponíveis em mais detalhes no e-book Festival Alagoanes: 100 anos de Audiovisual em Alagoas, em específico no texto de autoria de Karina Liliane, “Festival Alagoanes em números”.

O compromisso com a inclusão social e em dar visibilidade a diversidade é um investimento mínimo na busca por reparar as invisibilizações, violência, ausência de espaços e oportunidades para pessoas negras, indígenas, e da comunidade LGBTQIAPN+, e que faz-se necessário pautar e atentar quando há ou não o comprometimento das ações e instituições, uma vez que apenas com a continuidade do comprometimento é que poderemos alcançar a desejada realidade na qual as oportunidades sejam acessadas de fato por todas as pessoas.

As inquietações que me levaram a escrever esse texto e que busquei brevemente desaguá-las não se encerram aqui, e seguirão comigo, pois já estavam semeadas em mim antes do Alagoanes. Quando recebi o convite dos organizadores do e-book do Festival para escrever um texto sobre o evento, optei por fazer um panorama mais específico me desafiando a registrar aquela vivência com máximo de detalhes que eu me permitia ver ainda em 2021, que resultou no texto “Festival Alagoanes: processo, pesquisa e formação”, com o qual esse texto que aqui concluo se relaciona intrisecamente. Por isso deixo aqui o convite para que também conheça-o (caso ainda não o tenha) no e-book Festival Alagoanes: 100 anos de Audiovisual em Alagoas.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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