Texto: Uýra

Texto: Larissa Lisboa

Em meio a pandemia, o Instituto Moreira Sales (IMS) desenvolveu o Programa Convida, através do qual custeou a realização de várias obras audiovisuais de/sobre artistes de todo o Brasil, através do qual conheci a artista trans não binária Emerson Pontes, criadora e performer da “entidade híbrida”, Uýra Sodoma. 

A conheci como personagem desta obra de seis minutos, que apresenta Uýra em trânsito por vários pontos da cidade, enquanto cria e recria arte, relatos e reflexões sobre a sua presença e a presença de seus parentes. Entre esses espaços está um prédio onde estão expostas, como objetos de museu, urnas funerárias de povos indígenas que datam de 1885 que foram localizadas em escavações na cidade em 2018. Durante toda a obra, Uýra está com “escamas” desenhadas no corpo e com a cabeça coberta, sendo possível apenas vislumbrar o rosto dela na sequência final.

Uma curta e robusta obra audiovisual que aborda a normalização da invizibilização cotidiana dos povos indígenas, que são cobrados a provarem que são “índios”, e são desmerecidos se não atenderem ao que se espera de uma pessoa indígena (que se vista de tal forma, etc). 

Da qual transcrevo um trecho da narração/denúncia para deixar aqui reafirmado parte da sua potência e urgência: “Já diziam os meus, que um dia nos citariam como lendas. Parece que o teatro de Anchieta funcionou, esse dia chegou. As páginas brancas abertas ensinam que ficamos no século XVI, que índio não existe mais. Por isso, de novo, um vírus e o governo brasileiro enterraram muitos parentes meus como não indígenas e dessa vez eu vi.”

Outra obra que apresenta essa artista indígena é o longa Uýra, a Retomada da Floresta (dir. Juliana Curi), obra audiovisual de 72 minutos, que apresenta várias performances de Uýra, junto a momentos em que ela nos compartilha sobre a sua ancestralidade, sobre quem ela é e como interage enquanto pessoa no mundo.

Ao (re)encontrar Uýra numa obra com maior duração, é perceptível a abertura de espaços que são preenchidos por Emerson e as formas que ela está presente nos lugares que habita enquanto bióloga, performer, indígena, em sua multiplicidade de ser e estar no mundo que podemos vislumbrar ao longo, deste filme escrito e dirigido por Juliana Curi, e em suas transformações a cada performance.

Somos apresentades também à outres artistes que vivem uma oficina de criação artística com Uýra no meio da natureza, a narrativa constrói momentos individuais para que contemplemos estes artistas nas construções que exercitaram performar em meio a oficina.

As construções performáticas de Uýra podem nos provocar a vermos a arte e a natureza por outras perspectivas. Numa das situações que contemplamos em Uýra, a Retomada da Floresta, vemos que a performer está com o rosto todo coberto de raízes de plantas enquanto conversa com jovens em uma comunidade indígena sobre a “mãe da mata”. Também observamos já próximo da conclusão do filme, com mais brevidade, Uýra trabalhando na produção de arte de uma apresentação artística encenada por adolescentes. 

As duas obras que aqui reuni, buscam que nos conectar-nos com Uýra cada uma a seu modo, na mais curta de 6 minutos, a narração tem a missão de apresentar essa performer em sua amplitude e diversidade, enquanto a observamos em trânsito pela cidade de Manaus, somos contemplados com muitas informações e por isso podemos sentir falta de momentos de respiro. Temos acesso a um pulsar e uma presença de Uýra que pode alimentar o desejo de a seguir reencontrando.  

Já no longa de 72 minutos, a narração é mais pontual, entremeada por momentos de trilha, respiro, diálogos, somos apresentades a Uýra enquanto ser múltiplo, artista, pessoa, bióloga, indígena, instrutora, professora, mediadora, produtora, maquiadora, entre outras. São pulsações variadas de Uýra – que se reinventa aos nossos olhos nas cenas em que nos apresenta o seu corpo como distintas obras de arte-, e também sentimos as pulsações de outras personagens que compartilham das vivências com ela. Em alguns momentos é possível desejar focar apenas em Uýra.

Uýra, a Retomada da Floresta foi um dos filmes exibidos pelo Festival Revoada de Cinema no bairro do Benedito Bentes em Maceió-AL em novembro de 2022.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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