Descentralização: breve análise de editais alagoanos

Texto: Larissa Lisboa.

Alagoas conta com o VI Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas – Pedro da Rocha (2022) recebendo inscrições de proponentes sediados no estado até 26 de setembro de 2022, mediante submissão de projetos de longa-metragem, curta-metragem, desenvolvimento de longa e série, capacitação, festivais, cineclubes e pesquisa.

Em sintonia com o clima de elaboração de projetos, me debruço aqui em analisar alguns pontos deste e de outros editais, culminando com um breve panorama das edições que pautaram a descentralização de recursos em Alagoas. Uma pauta que surge da percepção de que a maioria dos projetos contemplados no estado em 12 anos de política pública cultural em audiovisual – tendo como principal ferramenta de democratização os editais-, são provenientes de sua capital, Maceió.

Em geral as chamadas culturais públicas são abertas e podem ser acessadas para pessoas com experiência ou que desejam começar a investir em projetos culturais. Poderiam e deveriam ser mais acolhedoras, para as pessoas que têm experiência como pessoa física mas que ainda não são representadas por uma Pessoa Jurídica (PJ) – MEI ou outra-, ou que não podem ou não tem condições de ter e manter uma Pessoa Jurídica(PJ). Na prática, este não é o caso desta edição com inscrições abertas neste momento, o edital Pedro da Rocha, limita a participação a  Pessoa Jurídica (PJ) em seis de suas sete faixas, com no mínimo um ano de funcionamento – incluindo MEI na maioria delas, com exceção da faixa de longa-metragem. E acolhendo a inscrição também de Pessoa Física (PF) apenas na faixa de pesquisa.

Adiante vou retornar a representação por Pessoa Jurídica e Pessoa Física junto a dados sobre a participação de projetos de outras cidades de Alagoas, que não Maceió, mas antes disso faço algumas ressalvas. As convocatórias deveriam se responsabilizar pelo acesso de todas as pessoas interessadas ao edital e investir em formações de elaboração de projetos, principalmente para viabilizar que toda e qualquer pessoa de cidades, que não a capital do estado, pudesse optar por aprender e exercitar a elaboração de projetos.

Na teoria a elaboração de um edital poderia ter como base o desenvolvimento de análise de suas edições anteriores, junto a coleta de dados das inscrições, pesquisa sobre editais de outras localidades e sobre o setor. Mas além de ser teoria, análise e pesquisa parecem passar longe de ser interessante para os gestores públicos locais. Assim como o cuidado de apresentar o edital para o setor e discutir sobre ele com as pessoas trabalhadoras da cultura local antes de lançar, ou algo tão necessário quanto revisar o mesmo para o seu lançamento, ou após retificá-lo. 

Dependendo da versão do edital do VI Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas – Pedro da Rocha (2022) que você teve acesso a sua percepção sobre ele pode diferir, vide que foi lançada uma versão retificada (em 08 de agosto de 2022), que excluía Pessoa Física (PF) da faixa de pesquisa e que depois foi reinserida na versão retificada seguinte (em 12 de agosto de 2022), para citar apenas um exemplo.

A retificação é um recurso necessário, mas é tranquilo para as pessoas que estão acompanhando um edital assimilar todas as correções e/ou modificações provocadas pelas retificações? É possível que lidar com retificações gere gatilhos que se somem à insegurança das pessoas que têm interesse em fazer a sua inscrição no edital? Acredito que seria válido mensurar esses e outros impactos das retificações. Por exemplo, no V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2021) as retificações ficaram registradas nas versões publicadas, diferenciadas por cores (vide print abaixo), recurso que não foi repetido na edição de 2022. Você acredita que ter registradas as correções e modificações de um edital seria importante para a compreensão do mesmo? 

Parei aqui para imaginar quantas sugestões e observações já foram encaminhadas para a Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (SECULT/AL) e ignoradas, não porque mereciam ser desvalorizadas mas porque sua gestão não busca fazer um inventário das demandas e se dispor a acolhê-las tanto quanto seria possível. Por isso estendo a minha solidariedade e compreensão caso você tenha motivos para acreditar que sua opinião, a respeito dos editais e suas versões, não será ouvida. 

Entre o que se pode destacar também sobre o edital em aberto, é o fato de que ele é primeiro edital realizado via Governo do Estado de Alagoas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (SECULT/AL), que propõe contemplar desenvolvimento de séries, cineclubes e pesquisa é o atual. Outro diferencial é que em seu texto ele faz referência a “Política de descentralização de recursos com ênfase na garantia da aprovação de projetos de fora da cidade de Maceió”, indicando referências para mensurar propostas provenientes de cidades de Alagoas que não a sua capital a partir da origem do CNPJ, composição de 60% da equipe com pessoas que residam em cidades de Alagoas (exceto Maceió) há pelo menos dois anos e delimitando que no mínimo de 30% dos projetos contemplados por categoria sejam descentralizados.

Este não é o primeiro edital que se propõe a contemplar proponentes residentes em Alagoas de forma descentralizada. O primeiro que se propôs e cumpriu essa proposta foi o Edital de Fomento ao Audiovisual – ANCINE / PMA – Cine + Arapiraca em 2019, que também foi o primeiro edital que não aceitou projetos de Maceió, priorizando proponentes das demais cidades de Alagoas. Para manter o foco de fazer um breve panorama, não serão compartilhadas informações sobre este edital, embora acredite que é válido estudá-lo e falar sobre ele. Caso queira acessar informações básicas do mesmo, deixo o link do texto Panorama do incentivo público à produção audiovisual em Alagoas

Um fato que julgo relevante lembrar, é que houve em 2015 o lançamento de uma versão do edital do Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas que tinha como proposta contemplar projetos a partir das microrregiões de Alagoas, contudo o mesmo foi cancelado, e substituído por uma versão com poucas diferenças do que fora praticado nas edições anteriores, e que ficou oficialmente como a versão do IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas, e que não indicava nenhuma orientação de uma política de descentralização.

E assim entre os editais lançados pela SECULT/AL, o edital Elinaldo Barros realizado por esta Secretaria via Lei Aldir Blanc foi então o primeiro a sinalizar a distribuição do total de projetos contemplados entre região metropolitana e demais regiões (Agreste, Alto Sertão, Baixo São Francisco, Médio Sertão, Norte, Planalto da Borborema, Serrana dos Quilombos e Tabuleiros do Sul). Seriam 127 vagas para a região metropolitana e 55 para as demais regiões conforme sua versão de lançamento, contabilizando 182 projetos, contudo após retificações o valor de projetos contemplados foi reduzido e não houve atualização dos valores oficiais dessa distribuição de vagas. Segundo retificação publicada em 29 de dezembro de 2020, o edital contemplaria 158 prêmios, caso seguida a proporção de 30% contabilizada pela sua versão de lançamento, seria possível supor que 48 prêmios destes deveriam ser destinados para outras cidades além de Maceió.

Até o momento não houve divulgação da SECULT/AL de quantos projetos provenientes do interior foram inscritos, informação que seria relevante para dimensionar o percentual de projetos inscritos de outras cidades que não a capital e também para mensurar quantos deles foram inabilitados ou desclassificados. É essencial frisar que no caso dos editais realizados pela Lei Aldir Blanc em Alagoas, os projetos foram inscritos por Pessoa Física (PF) e por Pessoa Jurídica (PJ), sendo exemplo de um formato de edital mais acolhedor para as pessoas interessadas em realizar ações culturais no estado.

Numa contagem informal, visto que a SECULT/AL também não disponibilizou a quantidade total de projetos contemplados provenientes da região metropolitana e demais regiões, contabiliza-se pelo resultado divulgado no Diário Oficial em 21 de janeiro de 2021: 123 projetos contemplados identificados como da região metropolitana e 17 projetos das demais regiões. Sendo assim do total de 140 projetos apenas 12% dos contemplados resultam da política de descentralização.

O edital seguinte, lançado pela SECULT/AL, V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2021) também não declarou uma política de descentralização, apenas pontuou projetos provenientes do interior dentro de sua política de cotas. Como a Secretaria também não buscou mensurar e divulgar sobre a proveniência dos projetos inscritos e contemplados no V Prêmio compartilho outra contagem informal: 111 foi a quantidade total de projetos habilitados após recurso, entre estes 93 apresentaram CNPJ de Maceió e 18 de outras cidades (houve entre eles, CNPJ que propôs mais que um projeto). Entre os 27 projetos contemplados na edição de 2021, apenas 4 contaram com proponente (segundo pesquisa informal de CNPJ) proveniente de cidade descentralizada.

Cavando espaço para dialogar sobre a descentralização

É preciso compreender que todas as pessoas trabalhadoras da cultura alagoana são responsáveis por pautar e estimular a descentralização, e podem colaborar na elaboração e na feitura de uma política de descentralização. Mas efetivamente isso acontece? Não. Pode parecer pouco focar e priorizar que se cave espaço para diálogo, mas observando a recente organização do Movimento do Audiovisual do Interior Alagoano (MAIA), reforço a crença de que a carência de diálogo precisa ser combatida com sistematicidade (isso porque eu freei o meu desejo de escrever diariamente). O meu compromisso com a pesquisa também passa pelo compromisso em pautar a descentralização, mas não faz muito tempo que eu me dei conta disso. E nem sempre eu consigo enxergar como posso colaborar, mas uma coisa que eu busco fazer é lembrar de pautar e de dialogar sobre, pois de fato se tornou uma angústia minha.

Concordo que o maior desafio é como fazer para que isso se torne uma angústia dos gestores locais. Não só para dar continuidade a política de descentralização em editais culturais em Alagoas. Mas também para que seja feito um monitoramento das microrregiões e que haja compreensão das condições de manutenção de ações culturais independente da natureza do proponente, assim como compreender a dinâmica de criação e manutenção de Pessoas Jurídicas (PJ) a partir das particularidades das cidades descentralizadas. Para dar um exemplo teria sido um bom investimento saber quantas Pessoas Jurídicas (PJ) de natureza cultural estavam estabelecidas por Alagoas em 2020, fora as de Maceió, assim como poder mensurar se os editais culturais realizados nos últimos dois anos possibilitaram que houvesse um aumento na presença e manutenção de Pessoas Jurídicas (PJ) de forma descentralizada no estado. Para minimamente responder a questões como: como estão distribuídas as Pessoas Jurídicas (PJ) de natureza cultural em Alagoas? como estimular a manutenção e abertura de mais Pessoas Jurídicas de forma descentralizada no estado?

No entanto, diante de mais esta ausência de mensuração, como não estranhar que se mantenha a exigência de um ano de existência de Pessoa Jurídica (PJ) para proponentes de projetos provenientes de cidades descentralizadas em Alagoas, num edital que se propõe a contemplar pelo menos 30% de projetos por faixa provenientes de todas as cidades do estado, que não sua capital? 

Minimizar essa questão entre as demandas das pessoas trabalhadoras do audiovisual alagoano, é fácil e prático, uma vez que foi sofrido conseguir escuta para inserir a atual política de descentralização, que pode ser vista como uma conquista e que eu desejo celebrar mensurado os projetos contemplados pelo Edital Pedro da Rocha e podendo aferir que mais que o mínimo de projetos provenientes de cidades descentralizadas foi contemplado. Mas enquanto isso não se torna uma realidade, me angustia cogitar que o mínimo de 30% de projetos contemplados de cidades de Alagoas, exceto Maceió, ainda não possa ser facilmente superado. 

Seria importante saber onde a informação de que o edital Pedro da Rocha está com inscrições abertas chegou e não chegou. E encarar que é muito limitador esperar que toda e qualquer pessoa de cidade descentralizada de Alagoas se informe, improvise a criação de um projeto e consiga uma Pessoa Jurídica (PJ) com um ano de existência, localizada em cidade que não a capital.

De forma nenhuma estou afirmando a respeito da capacidade das pessoas de cidades descentralizadas de Alagoas, visto que muitas já provaram que foram e são capazes de construir projetos, ter ou conseguir Pessoa Jurídica (PJ). Este limitador existe para todas as pessoas independente de sua origem e residência, pois é desafiador criar projetos quer você tenha muita ou pouca experiência, assim como não é simples, nem sempre viável ter ou manter uma Pessoa Jurídica (PJ). Vale lembrar inclusive há a situação de pessoas concursadas e bolsistas que são empatadas de ter associação com Pessoa Jurídica, que, portanto, só podem participar de qualquer convocatória que acolha Pessoa Física (PF).

Dentro da dinâmica de criação cultural é até naturalizado que os fatores limitadores desvelam potências, entre elas o empenho de superar as restrições e de persistir mesmo que falte motivos. Entretanto, não é construtivo romantizar e invisibilizar o prejuízo provocado pela carência de investimentos culturais públicos e privados em estrutura, diálogo, acolhimento, divulgação, difusão, formação, troca e conexão entre pessoas, ou instituições e pessoas.

Para concluir semeando a reflexão direcionada a outro exemplo específico, rememoro o que estava previsto na edição de lançamento do VI Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas – Pedro da Rocha (2022), que previa a exclusão de Maceió na faixa Mostras e Festivais C, que contemplaria 8 (oito) projetos para a produção, com um valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Compreendo que poderia esquecê-la já que a mesma foi extinta, contudo dar foco a ela me soa como um investimento para o futuro.

Antes de aprofundar, jogo uma questão que possivelmente não será respondida: qual foi a base de formulação desta faixa direcionada a excluir Maceió? Não invalido, nem vejo base para invalidar a possibilidade de inserir em editais realizados pela SECULT/AL faixa que excluam Maceió, mas acredito que para fazer o mesmo seria importante justificar publicamente o que fundamenta. 

Nesta que foi a versão primeira do edital em aberto estavam propostas a premiação de 14 projetos de Mostras e Festivais em três faixas de valores distintos, e quando eu vi que mais da metade das propostas a serem contempladas segundo o edital seriam de fora de Maceió, fiquei sem saber se havia como mensurar a viabilidade disso. Assim como não havia no edital uma previsão do que aconteceria caso não houvessem oito projetos que comprovassem serem compostos segundo a política de descentralização, o que seria válido indicar.

Aponto também que a recepção de minha parte seria outra se houvessem faixas exclusivas para cidades descentralizadas de Alagoas, a partir do mapeamento de Pessoas Jurídicas (PJ) e pessoas trabalhadoras do audiovisual alagoano. (E a cereja do bolo, seria também ter ação formativa de elaboração de projetos descentralizada, mas aí eu já posso ter feito você pessoa leitora achar que era fantasia demais.) Acho importante também registrar que R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) é um valor muito baixo para realização de uma Mostra ou Festival local em qualquer cidade de Alagoas. E que estranhei não ver a opção no edital de realização de eventos on-line.

Para reforçar que essa previsão da faixa Mostra e Festivais C foi extinta, complemento que na versão retificada de 12 de agosto de 2022 está prevista a premiação de 3 projetos para a produção de FESTIVAIS – A, com um valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) e 5 (cinco) projetos para a produção de FESTIVAIS – B, com um valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Foi adicionado também o seguinte texto junto as faixas de capacitação e Festivais: “Cumpre ressaltar que, em razão da necessária descentralização das ações, os projetos de festivais devem tratar sobre meios que permitam a inclusão de variadas regiões de desenvolvimento do Estado de Alagoas na execução das atividades previstas.”, que é uma orientação para as pessoas proponentes. 

Concordo que a descentralização, como até já mencionei antes de outra forma, é tanto responsabilidade das representações governamentais quanto das representações humanas, e que orientar para que os projetos atentem para inclusão de variadas regiões do estado é urgente também, contudo a viabilidade disso também passa pelo alcance que os valores de incentivo permitem ou inibem, além de tantas outras coisas que eu já mencionei nesse texto e que vou me frear de retomar para poder concluí-lo.

No exercício que fiz aqui de analisar com brevidade o que já aconteceu e juntar a informações do cenário desenhado a partir do atual edital quis prioritariamente elencar informações e propor reflexões sobre elas mais do que compará-las, pois a comparação não necessariamente é a melhor referência para construções futuras. Reforço também que é crucial priorizar a pluraridade de vozes em qualquer âmbito, inclusive neste espaço que está aberto para todas as pessoas que desejarem ocupá-lo para se debruçar sobre o passado, presente e futuro do audiovisual alagoano.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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