Texto: Kelcy Mary, Larissa Lisboa, Linete Matias e Regina Barbosa. Revisão: Tatiana Magalhães. Vídeo de homenagem: Mostra Sururu de Cinema Alagoano.
Para homenagear Vicentina Dalva Lyra de Castro, conhecida como Dalva de Castro, professora Dalvinha, ou simplesmente Dalvinha, foi desenhado o diálogo entre mulheres que compartilharam de sua trajetória. Assim foram reunidas: Kelcy Mary, Regina Barbosa, Linete Matias, junto a sua irmã Arilene de Castro e a Larissa Lisboa, pesquisadora que aponta Dalva como primeira alagoana contemplada em um edital nacional de incentivo à produção audiovisual em Alagoas.
Dalva atuou como professora de escola pública e na gestão cultural junto à prefeitura de Piaçabuçu, por tempo determinado, além de atuar de forma independente por duas décadas através da Associação Amigos de Piaçabuçu, fundada em 1999, também conhecida como “Olha o Chico”. Nas palavras de Dalva “(…) o fazer artístico-cultural é subjetivo, um modo particular de sentir, ver e agir no mundo, repleto de signos e significados mutáveis sob o olhar do espectador. É um mundo que estimula a superar limites, que liberta, amplia possibilidades, permite ousar, potencializa o melhor de cada sujeito. (…). Nesses 20 anos, a ‘Olha o Chico’ guarda a memória de três gerações que vêm tecendo uma rede de cuidados com a natureza humana e ambiental, através da arte.”
Ela semeou um trabalho voltado para a promoção da cultura do Baixo São Francisco, e de valorização e preservação do meio ambiente, não só para a cidade de Piaçabuçu, mas também para as regiões vizinhas, a partir do desenvolvimento de ações de cunho educativo e cultural, como saraus, produção de cds e curta metragens, e realização de fóruns. Como uma das cantoras e produtora do Grupo Caçuá (fruto também da “Olha o Chico”), Dalva transpirava parte do seu empenho em misturar música, teatro e dança.
Seu desejo de abraçar todas as linguagens também a guiou a atender a convocatória lançada pelo Instituto Marlin Azul em 2004. Entre 417 propostas vindas de cidades com menos de 20 mil habitantes em todo o País, 40 foram selecionadas na primeira edição do Revelando os Brasis, três de Alagoas, entre elas a de Dalva de Castro. Essa proposta viabilizou a realização do filme Borboletas, filmado em Piaçabuçu.
Manteve seu relacionamento com o cinema através de Areias que Falam (dir. Arilene de Castro, 2009), no qual fez parte da pesquisa e foi responsável pela produção executiva e coordenação de produção. Foi uma das produtoras de As Ilhas da Minha Vida (dir. Zezinha Dias, 2011). Dalva seguiu colaborando em outros filmes dirigidos por Arilene de Castro, como: Guerreiros (produtora executiva), O Juremeiro de Xangô (atriz), Parteiras (Trilha Sonora), Mestras e Mestres da Produção Artesanal (Trilha Sonora), Chefes da Gastronomia Popular (Trilha Sonora) e Terapeutas Tradicionais (Trilha Sonora).
Borboletas registra através da linguagem cinematográfica um recorte do cuidado de Dalva com a comunidade, da relação dela com a encenação teatral (teatro de sombras), com a música, com a cultura e o meio ambiente. Ela vai da simbologia da borboleta que passa por várias transformações para o registro da construção de uma jangada borboleta. Como homenagem a Dalva, seu filme está na programação da 11ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano.
Linete Matias, que fez parte do elenco do filme e esteve junto a ela no Grupo Caçuá, entre outras vivências, conta um tanto sobre Dalva, sobre a paixão dela por borboletas, pela ideia de que se tinha tempo para tudo, e que se tinha que respeitar o tempo das coisas. Aponta que Dalva não media esforços para estimular e envolver a participação das pessoas na filmagem de Borboletas, entre outras atividades. Dalva articulou a feitura da jangada borboleta, cuidou para ter tempo para gravar as cenas, cuidava dos detalhes e buscava a simplicidade. O filme foi gravado e teve sua estreia na comunidade do Mandin, no estaleiro do Mestre Galego.
“A primeira vez que a gente viu o filme pronto a comunidade também viu, a rua da comunidade estava cheia na beira do rio, e era um festejo, era uma concentração, no silêncio, todo mundo impactado com a projeção, de se ver numa grande tela. Foi um processo muito incrível, muito trabalhoso.” conta Linete Matias.
Linete relembra que Dalva se colocava no lugar de aprendiz, mesmo sendo notado o trabalho que ela fazia junto a “Olha o Chico”, ao Grupo Caçuá, entre outros, que as ideias fluíam e que ela tinha muita habilidade em agregar as pessoas. Dalva não enxergava a si mesma como os outros a enxergavam, segundo Linete: ela vivia procurando se encontrar enquanto artista, cantora, atriz, desenhista, vivia dessa busca. E nesse processo, Linete diz que observou a jornada de Dalva, e notou quando ela passou a olhar para si mesma como uma mulher criadora, através de uma oficina de palhaçaria. Ao se reconhecer como uma mulher artista do riso, ela passou a se ver múltipla.
Kelcy Mary relembra: “Em muitos dos nossos encontros, Dalva falava sobre seu amor à arte, amor a todas as linguagens e sobre o desejo de unir todas elas em um espetáculo. Penso que Dalva queria mesmo era contagiar Piaçabuçu e todos os arredores com o canto, a dança, a poesia, o teatro, as artes visuais e as brincadeiras populares. E conseguiu!!! Sua casa era ponto de encontro, canto para ensaio, reuniões e um porto seguro à beira do rio. Eu fui muitas vezes!!! Nossos filhos brincavam juntos Gabriel e Igor, desde pequenos já decididos pela música.
(…) Recordo um dia em que estávamos fazendo uma serenata na beira do Chico, e Arilene (irmã) falou: “Dalvinha, minha irmã, eu lhe admiro demais! Você ainda vai ser nome de rua”! Desse encontro de irmãs/ almas/ sincronizadas (elas sorriam juntas) nasceram filmes, o Sarau da “Olha O Chico”, exposições fotográficas, curadorias e tantas expressões artísticas que não daria para contar aqui, mas vamos seguir contando… quem conta um conto aumenta vários pontos… Dalvinha voou para um céu onde tem muitos artistas…”
Uma das características de Dalva que marcou muito Regina Barbosa, é que ela sempre foi multi potencial, múltipla, o que fazia com que Regina se identificasse com ela. É o que faz outras mulheres também se identificarem com ela. Dalva atuou na gestão, na produção, era liderança comunitária, estava no Grupo Caçuá, no palco e por trás dele, não se restringia a um determinado papel. Tanto Regina quanto Linete Matias ressalvam o quanto Dalva era articuladora, mobilizadora, do empenho com que buscava compartilhar, construir e estimular a comunidade da qual era parte.
“Tive um aprendizado imenso com ela, ia muito a Piaçabuçu, no início da ‘Olha o Chico’, fizemos muita coisa juntas, muitos trabalhos, era impressionante, foi uma pessoa com que aprendi muito, tenho muitas lembranças boas.”
Regina Barbosa relembra também que Borboletas foi exibido pelo Acenda uma vela, projeto da Ideário Comunicação, do qual Regina fazia parte. O filme de Dalva sobre a construção de uma jangada típica de Piaçabuçu foi exibido na tela de uma jangada pela Ideário, que o difundiu em sua circulação por várias cidades de Alagoas.
Larissa Lisboa compartilha sobre a relevância de Borboletas “Há imagens que me são referências na história da produção audiovisual alagoana, uma das primeiras que pude formar, com atuação de uma alagoana na imagem em movimento foi ao compreender que havia uma realizadora em Piaçabuçu, Dalva de Castro, que havia dirigido um filme chamado Borboletas em 2004/2005.
E esse passou a ser um fato que fazia questão de relatar sempre que pude rememorar a história da produção audiovisual alagoana. No entanto, apenas recentemente, compreendi a importância de não apenas reconhecê-la como uma das pioneiras, mas também difundir esse fato. Diante da necessidade de alicerces para a construção de um panorama da história das alagoanas da imagem, e de ver a presença de Dalva nos filmes em que trabalhou como incentivo ao empoderamento das mulheres que atuam na cultura em suas cidades como ela atuava em Piaçabuçu.”
Texto de Kelcy Ferreira
Conheci Dalvinha quando ela estava Secretária de Cultura de Piaçabuçu e eu já havia ouvido falar sobre ela…uma mulher vestida de poesia. Em sua gestão, levou artistas de Maceió, como o dramaturgo e artista visual Lael Correia, o músico Naldinho e muitos outros para ministrarem cursos, realizarem imersões e encontros artísticos em Piaçabuçu. Estes artistas visitavam os povoados Potengy, Penedinho, Esperança_ conhecendo sua cultura, sua arte e suas histórias. Foi assim que encontraram o tocador de pífano Cícero Lino, a contadora de história Linete Matias e a bibliotecária Mira Dantas, que nesse tempo ainda era criança.
Em muitos dos nossos encontros, Dalva falava sobre seu amor à arte, amor a todas as linguagens e sobre o desejo de unir todas elas em um espetáculo. Penso que Dalva queria mesmo era contagiar Piaçabuçu e todos os arredores com o canto, a dança, a poesia, o teatro, as artes visuais e as brincadeiras populares. E conseguiu!!! Sua casa era ponto de encontro, canto para ensaio, reuniões e um porto seguro à beira do rio. Eu fui muitas vezes!!! Nossos filhos brincavam juntos, Gabriel e Igor, desde pequenos já decididos pela música.
Dalva teve três filhos da barriga (e muitos do coração) Igor, Pedro e Januário, aliás tem uma obra do Lael Correia que é o desenho da barriga de Dalva que é lindo demais, sempre que eu chegava ali ficava a contemplar, a casa de Dalva, à beira do rio, é plena de cores pelas obras do Jasiel Martins, seu companheiro de vida e arte. Eles se conheceram no Curso de Educação Artística do Cesmac e, desde então, seguiram juntos.
Reunia as artes, unia pessoas… nasceu o Grupo Caçuá, o Caçuazinho, a Associação Amigos de Piaçabuçu, “Olha O Chico” e tantos outros projetos sob a liderança de Dalva. Dalva não era “boazinha” nem “moça comportada” _ É Intensidade!!!
Recordo um dia em que estávamos fazendo uma serenata na beira do Chico e Arilene (irmã) falou: “Dalvinha, minha irmã, eu lhe admiro demais! Você ainda vai ser nome de rua”! Desse encontro de irmãs/ almas/ sincronizadas (elas sorriam juntas) nasceram filmes, o Sarau da ‘Olha O Chico’, exposições fotográficas, curadorias e tantas expressões artísticas que não daria para contar aqui, mas vamos seguir contando… quem conta um conto aumenta vários pontos… Dalvinha voou para um céu onde tem muitos artistas…
É passarinha
Estrela
Inspiração
Texto de Regina Barbosa
A Dalvinhha partiu para outro plano. Sendo uma estrela, foi brilhar no firmamento.
Esta mana ribeirinha passou sua existência derramando amor pela cultura, pelo rio São Francisco, pela cidade de Piaçabuçu, por Alagoas, pela família e pela juventude. A Dalvinha foi uma grande liderança. E por ser grande, havia nela como atributos naturais a generosidade, a sabedoria, a honestidade, a simplicidade e a amplitude.
Por ser ampla, era múltipla, era livre para ser o que desejasse. Assim me parecia. Não sei se isso acontecia sem conflitos. Mas o fato que era educadora, mas também artista, produtora cultural, gestora, psicóloga.
No grupo Caçuá estava nos bastidores e também no palco. Ela se permitia ser e viver a sua energia criativa e produtiva.
Uma pessoa com quem muito aprendi, com quem convivi numa sintonia fina.
No audiovisual dirigiu o curta Borboletas mas também produziu filmes como o Areias que falam, da Arilene entre outros. E também incentivava que a comunidade fizesse e visse muitos filmes. Piaçabuçu foi uma das primeiras cidades do interior que íamos, nos projetos da Ideário de cinema itinerante.
Eu lembro com muito carinho das andanças na beira do rio, nos povoados. Os eventos aconteciam de maneira fluida, como o Velho Chico, pois tínhamos o apoio da Dalvinha, do Jasiel e demais pessoas da Associação Olha o Chico. Foi uma das primeiras cidades, e continuou fazendo parte de outras temporadas dos projetos por nós realizados.
Uma gigante para trabalhar. Muita disposição e garra para a defesa de causas nobres que defendia com a alma, com o corpo e com o coração. Mas era também uma pessoa simples, sem frescura.
No tempo em que estivemos juntas, foram muitos os momentos de partilha, de alegria, de trabalho, de amizade. Também convivemos nas andanças, viagens, fóruns dos pontos de cultura.
Foram muitas lutas, criações e gestações.
Neste texto fico usando os verbos no tempo passado, mas sinto vontade de usar no tempo presente, pois a lembrança da sua força é atual. Isto acontece pela certeza do seu legado.
Mas o fato é que estive aqui falando de um tempo que passou, de uma fase bonita de nossas vidas onde muito sonhamos e muito realizamos.
Um tempo de um país que infelizmente foi e está sendo destroçado. Infelizmente.
Meu sentimento é de imenso respeito por esta mana tão incrível que deixou saudades, mas a beleza da sua trajetória preenche nossos corações de esperança, de amorosidade e de confiança.
Sentimentos que são combustíveis e alicerces para para vivermos estes tempos difíceis e também para novas jornadas.
Viva Dalva de Castro.
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