Mulher Pandêmica (dir. Luiza Leal, Maria França, Mirella Pimentel, Tayná Nogueira y Yolanda Ribeiro)

Texto: Chico Torres.

AS BRUXAS ANTICARTESIANAS

Mulheres reunidas numa casa velha. São bruxas e estão na produção da ciência alquímica dos objetos, ou dos símbolos da solidão, ou da destruição das imposições do ser-mulher-no-fim-do-mundo. Batem tudo no liquidificador e é música o ruído daquela trituração: elas dançam em nome de quê? Sei que elas não são amigas das caixas que chegam do mundo de fora, o olhar delas segue pelas sombras interiores de si mesmas e isso basta. E não é difícil adivinhar que a mulher pandêmica não quer usar giletes, escovas, roupas, nada que sirva para polir, lixar, raspar, limpar. Elas dançam e fazem de suas caras as figuras deformadas de Francis Bacon porque não querem que as coisas sejam iluminadas, serenadas, que suas faces sejam as das santas renascidas. A mulher pandêmica é tragada pelo não-significado, pelo errático emudecimento da voz que um dia foi clara e distinta. Agora, anticartesiana, se deixa levar pelo caminho circular, ou pelo labirinto, ou pelo eterno retorno do mesmo espiralado. Pelo poema, ela se deixa levar pelo poema. Por isso a mulher pandêmica devora o dicionário, para que haja a destruição da pureza do nome, para que não haja classificação possível. Ela também jamais poderia ouvir aquela fita cassete: não há mensagens importantes que ela já não saiba e que, logo em seguida, resolva ignorar. O que importa é o que se pode fazer com o corpo, com a sua solidão quadrilátera, preenchendo, de vazio em vazio, o quadro limitado de sua existência. E isso basta.

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