Série Lugares de Atuação, uma entrevista com Silvio Leal

Perguntas e revisão: Karina Liliane e Larissa Lisboa. Respostas: Silvio Leal. Ilustrações: Weber Salles Bagetti. Foto: Gabriel Moreira.

Guiadas pelo desejo de dar continuidade ao diálogo sobre lugares de atuação em Alagoas, Karina Liliane e Larissa Lisboa elaboraram esta série de entrevistas que nesta primeira rodada foi criada junto aos atores e atrizes alagoanos Julien Costa, Silvio Leal, Wanderlândia Melo, Ane Oliva e Laís Lira. Cada entrevistadx foi estimuladx a falar dos seus lugares de atuação, Silvio Leal compartilha sobre suas experiências no teatro e no cinema. Ele compõe o elenco dos filmes alagoanos Desalmada e atrevida (dir. Pedro da Rocha), Sol Encarnado (dir. Pedro da Rocha), Ontem à noite (dir. Henrique Oliveira), Alano (dir. Silvio Leal e Henrique Oliveira) e A Prima (dir. Pedro da Rocha).

Larissa Lisboa: Qual foi o seu primeiro contato com a atuação no Teatro como espectador? E no cinema? 

SL: Como espectador de Teatro foi na peça infantil O Sapateiro do Rei, de Lauro Gomes pela Cia Teatral Comédia Alagoense, em 1992, aqui em Maceió. Eu já tinha começado no curso de teatro. Mas lembro também que fui, quando criança, ao Teatro Deodoro com uma tia, assistir O Chapeuzinho Vermelho. São vagas essas lembranças… lembro que fiquei fascinado, era muito pequeno, tudo me pareceu grande demais, não entendia bem o que tava se passando, mas amei. E lembro de ter ido algumas vezes ao circo, também. No cinema, as lembranças da infância são os filmes dos Trapalhões que eu ia ver no Cinema São Luiz.

LL e Karina Liliane: Qual a sua primeira lembrança atuando? (onde e quando) 

SL: Eu vivia atuando dentro de casa, no espelho, no banheiro, era uma loucura. Inventava personagem, enredo, e levava meu irmão junto. (Risos). Saquei essa agonia aos 13 anos, mas só comecei mesmo quando soube do curso de Formação do Ator, hoje curso de Arte Dramática da Escola Técnica de Artes (ETA), e fui até lá me matricular, tinha 19 anos, então. Eu achava que não havia curso aqui em Maceió. E acredito que antes não tinha mesmo, o curso era novo, contava com pouco tempo de existência quando eu comecei.

KL: Você acredita que esse momento teve influência sob o caminho que percorreu na escolha da atuação como profissão e como lugar de expressão máxima do seu fazer artístico? 

SL: Antes do curso, eu já sabia que era isso que queria fazer, era algo que me deixava agoniado, não tinha como não fazer, entende? Era vital. Só não sabia por onde começar, nem como… Sou de uma geração que cresceu na frente da TV, amava imitar as cenas das novelas, minhas referências eram sempre as atrizes. Depois, quando comecei no teatro, fui deixando de ver TV (graças). E no curso pude ler, ler muito teatro, foi muito importante para mim ter começado lá. Tudo começou exatamente ali, no curso de Formação do Ator, e naquela biblioteca que me revelou um mundo novo, o meu mundo, que eu finalmente encontrava.

Ilustração: Weber Salles Bagetti

KL: Qual e onde foi o seu primeiro trabalho a partir do momento em que entendeu a atuação como profissão? Ou qual trabalho te fez enxergar como uma profissão?

SL: Entrei no curso em 92, fiz o teste e passei. No ano seguinte, fui chamado pelo Glauber Teixeira (em memória), para a montagem do Despertar da Primavera de Frank Wedekind, com a Cia. Teatral Comédia Alagoense (a mesma que fez o Sapateiro do Rei, também dirigida pelo Glauber). O Glauber, que era daqui, tinha ido pro Rio de Janeiro, fazer Artes Cênicas na Uni Rio. Ele vivenciou um dos períodos mais ricos da história recente do Teatro no país: o fim dos anos 70 e os anos 80; tinha trazido muita referência incrível, muitas ideias. Eu era bem verdinho e já ia começar com um texto clássico, denso, dramático. Mas eu amava ensaiar e apresentar. Não tinha teatro em Maceió na época, fizemos nas instalações de um supermercado abandonado em Jaraguá. A Mônica Carvalho, filha do Sávio de Almeida, produzia junto com a Waneska Pimentel; e ela (Mônica), conseguiu uma grana massa do avô para fazer a peça, através da Cooperativa dos Usineiros, que patrocinou tudo. Reformaram o antigo Balaio, construíram banheiros, nós colamos três mil caixas de ovos nas paredes (para ter acústica). Veio arquibancada, o cenário era lindo, pensado pelo Ênio Lins. Toda uma estrutura de som e luz foi montada. Nessa peça começaram também a Waneska, o Erom Cordeiro e a Karine Teles. Tinha o Abides Oliveira, a Gertrudes Magna e o Régis de Souza, mas eles já eram do curso, e a Magna tinha feito peça com o Lael Correa. Depois disso não parei mais.

LL: Como teve início o seu diálogo com o cinema alagoano?

SL: O cinema veio bem depois. Mais precisamente em Fortaleza, quando fui morar lá e trabalhar com teatro, isso em 2003. Estava engajado dentro de um projeto incrível, convivendo e trabalhando com atores e atrizes do nordeste. O projeto era bem ambicioso, juntava de cada estado, um ou dois atores/atrizes. Foi de um aprendizado absurdo: íamos para o teatro às oito da manhã e voltávamos para casa às dez da noite. Era total imersão; reformamos o Teatro Boca Rica que ficava bem próximo ao Dragão do Mar. Aprendi muito sobre o fazer teatral, era tudo bem artesanal, feito por nós. Lá conheci a Magdale Alves, uma mega atriz de teatro e cinema de Pernambuco. Ela tinha acabado de fazer o Amarelo Manga do Cláudio Assis e falava muito da experiência. O filme tava estourando no país e fora dele. Eu ficava fascinado com as histórias. Sem falar que em Fortaleza, comecei a perceber um movimento de cinema que já era forte, as pessoas se conheciam, tinha festival (Cine Ceará) e havia uma interação entre os estados nesse quesito. Eu ficava bem triste porque sabia que aqui não tinha uma tradição forte como eles tinham lá, na Paraíba e em Pernambuco. Não estou afirmando, é bom frisar, que aqui não tinha cinema, ou não existiam pessoas fazendo antes, mas é bem verdade que nunca tivemos um movimento forte, constante, sempre foi meio esporádico por aqui. Quando voltei para Maceió, voltei contaminado, querendo fazer cinema. Foi quando soube do teste para fazer Deus é Brasileiro do Cacá Diegues, mas não fui aprovado. No ano seguinte, soube de um outro teste para o longa Mulheres do Brasil da Malu de Martino. Fiz e passei, foi uma experiência estranha e difícil, eu me senti perdido, mas foi rica em aprendizado. Só pude sentir um diálogo com o cinema alagoano, de fato, quando fui indicado pelo Naéliton Santos para fazer uma participação no filme do Pedrinho (Pedro da Rocha), o Desalmada e Atrevida, ali começaria o diálogo, o aprendizado real.

KL: O que poderia descrever como singular de cada local de atuação e/ou quais diferenças enxerga no fazer artístico quando aplicado em locais distintos?

SL: Oportuna a pergunta, que vem à reboque desse início, do ‘fazer cinema’. Falei da dificuldade com o primeiro filme, justamente por não entender direito, na época, os mecanismos da interpretação que diferem completamente do que eu sabia, da minha formação e escola, que é o teatro. Sofri muito no primeiro filme porque não tive um tempo grande para me preparar, para entender tudo aquilo… Então fui muito na intuição, na agonia. Lembro que na hora de contracenar com a Dira Paes, eu simplesmente travei. Ela me ajudou bastante. Contracenava o tempo todo com a Luana Carvalho (filha da Beth Carvalho, eu fazia o melhor amigo dela no filme); agora imagina ela, mega naturalista, e que já vinha se preparando há meses para o papel… Ou seja, sofri pra caralho. Só fui entender direito essa diferença, depois, na grande escola que foi atuar nos filmes do Pedro da Rocha, ali fui percebendo tudo.

O cinema pede uma intimidade com a câmera, um cuidado nessa relação, um outro diálogo com novas dimensões na arte de representar. Tudo é menor: o menos é mais. Há uma dinâmica própria da linguagem, que te pede paciência, sensibilidade e sutileza. Essa coisa de chegar e colocar uma plateia na mão, que o teatro te proporciona, esse arrepio que percorre o corpo todo, ao sentir a emoção que você, vivendo, manipula e projeta aos outros, tudo ao vivo, para em seguida, receber de volta… Isso não acontece no cinema. Ali o arrepio é outro, vem do sentir na alma a intimidade (quando você consegue) entre sua intenção, seu querer, e a câmera que te provoca, e pode te olhar de volta com o mesmo querer, ou não.

Ilustração: Weber Salles Bagetti

LL: Como você vê a relação entre os lugares de atuação em Alagoas?

SL: Eu vejo de forma bastante promissora. Porém, ter vindo do teatro, não me garante nada no cinema, se o tipo de cinema a ser feito, dispensar minha contribuição como ator, que estudou, estuda e se formou no teatro. Mas, pode contribuir, caso isso seja relevante dentro de uma proposta. O cinema é múltiplo. Ademais, eu começo a perceber outras possibilidades com o cinema, que não seja apenas atuando. Vale salientar, que já tive, nesse curto caminho percorrido, vivências de atuação no cinema, que me permitem olhar para o meu trabalho de maneira afetuosa e instigante. Falo isso no sentido de querer ir além, me aprofundar. Essa, digamos, descoberta, aconteceu do meu encontro com o Henrique Oliveira, e no estabelecimento de nossa parceria, a partir do curta Ontem à noite, um trabalho que amo demais. Com o Henrique, também aprendi absurdamente sobre cinema, ele é um cara que manja demais do ofício, sem falar que fiz o Curso de Cinematografia com ele, importante para a minha formação.

LL: Quais as dificuldades em trabalhar com atuação em Alagoas?

SL: Todas. (Risos). Estamos vivendo um dos piores momentos na história desse país, para quem trabalha com atuação/arte/cultura. Nunca foi fácil, convenhamos, mas agora ficou pior e temo pelo que pode vir. No momento, mais do que nunca, precisamos buscar força e continuar resistindo  para encontrar meios/formas de driblar toda essa loucura, que sejam: o desgoverno do país, oriundo de uma crise estrutural de ordem mundial, atrelado à essa pandemia, algo que nunca vivenciamos e que acredito, mudará muita coisa no modo das pessoas enxergarem a si e aos outros.

KL: Quais as expectativas/desejos/vontades que você tem em relação a sua profissão e aos campos de/para atuação em Alagoas nos/para os próximos anos? 

SL: Desejo que possamos encontrar caminhos possíveis para viver e fazer arte. Toda essa onda de ódio e preconceito, de maldade, serviu para mostrar o quanto ainda é preciso fazer. Tudo está apenas no começo, embora pareça o contrário. Ironicamente, num momento em que o país, na pessoa de seu representante, virava, literalmente, às costas para a arte e os artistas, eles se mostraram não apenas importantes, como necessários; pois ninguém contava com esse vírus mortal, que viria ressaltar essa necessidade. Sem arte não se vive. A arte é o alimento da alma. O trabalho que teremos será árduo e só poderá ser, com união e respeito mútuo. Pois cada dia mais, ficará evidente a importância da coletividade e da cooperação em todas as instâncias da vida.

Foto: Gabriel Moreira.

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Silvio Leal, é alagoano, ator, produtor e diretor de teatro e cinema. Atua na área há 28 anos, tendo mais de 30 espetáculos no currículo. É formado em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas, e pela Escola Técnica de Artes – ETA (formação como ator). Iniciou sua carreira no cinema em 2004, quando integrou o elenco do longa Mulheres do Brasil de Malu de Martino. Fez mais dois curtas e um média metragem em Alagoas, e em 2013 se lançou como co-roteirista, além de ator e assistente de montagem no curta Ontem à noite de Henrique Oliveira, que participou de cerca de 20 mostras e festivais no país. O filme é o primeiro na “Trilogia do Desejo”, ideia que nasceu durante a produção do filme Alano, segundo da Trilogia. Neste projeto está presente atuando, co-dirigindo e roteirizando.

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