Perguntas e revisão: Karina Liliane e Larissa Lisboa. Respostas: Wanderlândia Melo. Ilustrações: Weber Salles Bagetti. Foto: Benita Rodrigues.
Guiadas pelo desejo de dar continuidade ao diálogo sobre lugares de atuação em Alagoas, Karina Liliane e Larissa Lisboa elaboraram esta série de entrevistas que nesta primeira rodada foi criada junto aos atores e atrizes alagoanos Julien Costa, Silvio Leal, Wanderlândia Melo, Ane Oliva e Laís Lira. Cada entrevistadx foi estimuladx a falar dos seus lugares de atuação, Wanderlândia Melo compartilha sobre suas experiências nas artes cênicas (teatro, circo, performance, etc) e no cinema. Ela compõe o elenco dos filmes alagoanos Dezembro (dir. Dário Jr.), Teresa (dir. Nilvado Vasconcelos) e A Barca (dir. Nilton Resende).
Larissa Lisboa: Qual foi o seu primeiro contato com a atuação no Teatro como espectador? E no cinema?
Eu comecei a fazer teatro sem ter assistido um espetáculo de teatro. Quando estava no curso de iniciação ao teatro meu professor Emanuel, me levou pra assistir o espetáculo que ele fazia parte Entre flores amores e frustrações da Cia Nós de Gatos em Garanhuns-PE, e eu fiquei fascinada de como era possível as pessoas decorarem aquele texto e se movimentarem com tanta facilidade, e sem sentir vergonha de nós que estávamos ali observando. Na primeira aula depois de ver o Emanuel em cena fui dizendo logo “Vou saber não professor, atuar daquele jeito que o senhor fez”.
Já no cinema eu sempre gostei dos personagens sem necessariamente ter consciência de que era a atuação que me pegava, por exemplo João Grilo personagem que o Matheus Nachtergaele fez em o Auto da Compadecida, eu até sabia de cór as falas do filme, e quando na biblioteca da escola o livro do mês foi a dramaturgia do Auto da Compadecida eu queria ser o João Grilo, hoje eu vejo que aquela experiência me afetava pelo jeito que ele interpretava o personagem.
LL e Karina Liliane: Qual a sua primeira lembrança atuando? (onde e quando)
Se eu levar em conta a atuação não profissional, a minha lembrança de atuação vem das reuniões de família onde eu sempre imitava meu avô, colocava seu chapéu na cabeça, pegava um cabo de vassoura, tremia as pernas e as mãos, curvava a coluna e imitava uma voz de velhinho meia anasalada, e eu fazia o estereótipo porque na verdade ele nem era daquele jeito que eu imitava.
Depois fiz teatro na escola em datas comemorativas. E na adolescência comecei a fazer o curso de iniciação ao teatro e aí tenho uma memória mais viva de como era atuar para um público que eu não conhecia e isso me faz lembrar do frio na barriga, de entrar em cena e contracenar com meus colegas de curso e de ter a responsabilidade de dar vida a uma personagem, encontrar os trejeitos e não esquecer o texto, essa era a maior preocupação da época, o texto do “mesminho” jeito que estava no papel.
KL: Você acredita que esse momento teve influência sob o caminho que percorreu na escolha da atuação como profissão e como lugar de expressão máxima do seu fazer artístico?
Sim, acredito que depois do curso de iniciação “Vem Ver Teatro II” em 2011, eu tinha muitas dúvidas sobre tudo que dizia respeito ao teatro, queria saber da história e queria ver teatro, queria experimentar de novo aquela sensação de estar no palco, aquele curso tinha afetado minha curiosidade, sempre fui muito curiosa. Eu saí do curso de iniciação com desejo de procurar mais sobre humor e palhaço, o que me lembrava de que gostava quando fazia meus familiares rirem de mim por uma coisa que eu estava fazendo, queria essa sensação. Isso eu “tô” racionalizando agora, não tinha pensado nessas influências antes dessa entrevista (risos).
KL: Qual e onde foi o seu primeiro trabalho a partir do momento em que entendeu a atuação como profissão? Ou qual trabalho te fez enxergar como uma profissão?
Quando estava no espetáculo Aruá, o boi encantado dirigido por Julierme Galindo em 2011/2012, eu fazia nessa época a luz, sonoplastia e atuava no espetáculo, ali eu já me entendia como atriz profissional. Ainda que dividindo meu tempo entre escola e teatro, eu me comprometia em estudar o texto, marcar os momentos em que estava na luz e não em cena, calcular qual instrumento entrava nas músicas, não faltava ensaio, existia um compromisso e também eu recebia por aquele trabalho.
LL: Como teve início o seu diálogo com o cinema alagoano?
Meu início com o cinema alagoano foi como espectadora, quando vim estudar no Curso de Teatro Licenciatura em Maceió em 2013 na UFAL, as pessoas falavam da Mostra Sururu, a partir desse ano comecei a ir para a mostra e isso me fez estar próxima da produção local. E como uma boa curiosa, comecei a procurar quem eram as pessoas que trabalhavam com cinema. Lembro que nesse ano o filme Ela do Nivaldo Vasconcelos, tinha sido muito inovador pra mim, e quando voltei pra casa encontrei com ele e outras pessoas que estavam na mostra no bar da Rosa Mossoró, pude conversar com Nivaldo sobre a feitura daquele trabalho.
A primeira vez que estive trabalhando com o cinema Alagoano foi uma participação no filme Dezembro do Dário Júnior, e isso me trouxe para mais perto de estar fazendo parte do cinema alagoano.
KL: O que poderia descrever como singular de cada local de atuação e/ou quais diferenças enxerga no fazer artístico quando aplicado em locais distintos?
Aqui vou responder entendendo “Local de atuação” como os lugares que uma atriz ou ator atuam, mas farei um recorte ainda menor a partir dos lugares que eu experienciei enquanto atriz e palhaça.
Atuar para mim é jogar. E uma boa jogadora antes de dar play procura entender as regras do jogo, se preparar, saber quem é seu aliado, criar obstáculos, se colocar no jogo, quebrar regras também, inventar estratégias, e por fim, jogar. Na atuação seja no cinema, no teatro, no circo e etc (espaços físicos), é preciso entender as regras do “jogo”, qual a quantidade de pessoas que vão ouvir, o quanto o espaço cênico vai influenciar a encenação/atuação, eu jogo só ou tenho outras atrizes comigo? E o que isso influencia?, o meu aliado vai ser a câmera, como eu jogo com ela? Pra mim são muito amplos os locais de atuação, é necessário entender o jogo, os jogadores e a finalidade de querer contar como foi/vai ser a partida (seja na produção de um espetáculo ou filme). Mas acho muito importante a presença da preparadora de elenco, a diretora ou a monsieur loyal que apresenta o “jogo” a jogadora, que ajuda ela a saber utilizar suas estratégias de forma mais assertiva, ou construir junto com ela. Se eu for colocar em comparação minha experiência com os espetáculos ou curtas que já atuei, consigo dizer que o que tem em comum entre essas diferentes diretrizes são o estado de presença, seja interpretando um personagem, enquanto palhaça Salsichinha, seja usando máscara, seja fazendo uma performance; e o jogo em cena, seja ele com o espectador, com minha parceira de cena , com o espaço cênico, objeto ou com a câmera.
LL: Como você vê a relação entre os lugares de atuação em Alagoas?
O link que consigo pensar agora entre os três lugares que citei acima, (teatro, cinema e circo) vem sendo feito a partir de um lugar de luta e resistência que os Fóruns vêm traçando, agora durante a quarentena percebo que esse diálogo vem se estreitando para criar estratégias de cobranças de políticas públicas de qualidade para as artistas que estão em isolamento.
LL: Quais as dificuldades em trabalhar com atuação em Alagoas?
A partir do recorte que eu tenho que é viver em Maceió há oito anos, vejo que as políticas públicas ainda ficam a desejar em relação às artes cênicas. O edital municipal das Artes de incentivo a cultura, prêmio Eris Maximiano, teve uma única edição, em 2015. A secretária do estado não tem editais anuais e específicos para a classe. O que faz com que sejam poucas as produções anuais e menor a circulação dos espetáculos que já existem. Buscamos pela sustentabilidade dos grupos e espetáculos, mas não tem sido uma tarefa fácil, levantar bilheteria, fazer evento, manter sede de forma autônoma, é uma resistência que às vezes atrapalha a produção de novos trabalhos e a manutenção de outros. E olhe que ainda não sabemos como será depois que essa pandemia passar.
KL: Quais as expectativas/desejos/vontades que você tem em relação a sua profissão e aos campos de/para atuação em Alagoas nos/para os próximos anos?
Meu desejo maior é que cada vez mais a atuação seja valorizada, que sejamos vistas como trabalhadoras. Que as atrizes negras ocupem cada vez mais as telas de cinema, os espetáculos de teatro, as lonas de circo, os comerciais de televisão, dignamente, como protagonistas!
Deixe a sua minibio aqui.
Wanderlândia Melo
Graduada em Teatro Licenciatura pela UFAL, atriz, palhaça, Criadora do Festival F.E.M.E : Festival de Mulheres de Maceió, coordenadora da Casa Sede. Atua no Coletivo Heteaçã, Clowns de Quinta e Coletivo Volante.
“Atualmente” está em cartaz com os espetáculos: Entre Rio e Mar Há Lagoanas do Coletivo Hetaçã; Os Filhos do céu e os corações de tambor do Coletivo Heteaçã; Cenas Clownssícas com Grupo Clowns de Quinta; Incelença junto com Coletivo Volante; e o filme A Barca de Nilton Resende.
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