Texto: Rosana Dias. Revisão: Larissa Lisboa. Imagens: Circuito Penedo de Cinema e divulgação.
Segue aqui os textos sobre o quarto dia de exibição no Circuito Penedo de Cinema – 10º Festival de Cinema Universitário de Alagoas. Os filmes abordam questões sobre afeto, cidades e memórias, ficarão disponíveis no site do Circuito (https://circuitopenedodecinema.com.br/) e na Praça 12 de Abril até o dia 29 de novembro.
Era pra ser o nosso road movie, de Carolina Timoteo, Lucas Menezes, Clécia Borges e Júlia da Costa, neste curta pegamos carona com Diane, que grava a estrada na volta de um casamento, ouvimos sua história sobre o desejo de fazer um road movie. Nesse percurso, somos apresentados à estrada, aos caminhos e caminhões, aos desejos, sonhos e frustrações de Diane.
Assim como as curvas dessa estrada, Diane nos apresenta em suas falas as curvas e declives da vida. Como feito em Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, não vemos esta personagem, apenas sua voz. Com timbre suave nos guia, ouvimos os sons dos carros que passam em alta velocidade próximos ao carro seu. As matas fechadas, as placas de sinalização, os pedestres que compõem a narrativa.
O filme tem menos de quatro minutos, sua construção é fluida, embarcamos nesse road movie querendo conhecer mais tanto sobre aquelas paisagens quanto sobre Diane.
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Diz que é verdade, de Pedro Estrada e Clarissa Almeida, trazem à tela Alexandre e Suelen. Ele, um pintor, passa o dia a pintar paredes, ela, faz tranças afros em um salão. O cotidiano dessas duas pessoas são compartilhados conosco, entre tranças e tintas existe algo que as une, a música.
O curta é uma produção de Minas Gerais, no bairro periférico entre casas e pedestres, com vista para o que há nesse universo de construções, Alexandre e sua família composta por esposa e filha, casas coloridas e a música brasileira que emana ali.
Suelen canta suas canções em inglês, a música está presente enquanto ela trabalha ao fazer tranças, ela canta no banheiro e com seu cão, o universo pop lhe é pertencente. Podemos ver isso não só nas canções, mas também em suas vestimentas, e tranças coloridas usadas por ela.
Em um Karaokê essas duas personagens se encontram, ali temos os encontros das músicas nacionais e internacionais, o encontro de gerações. Nesse documentário, essas personagens não falam sobre suas vidas, nos são apresentadas, a direção de arte e cor realizaram um trabalho cuidadoso, fato que nos permite termos maior aproximação com Suelen e Alexandre.
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Uma cidade pandêmica, a Maceió de desigualdades sociais que se intensificaram com a COVID-19, no curta A três andares, de Bruna Teixeira. Em meio aos relatos sobre teorias da transmissão do vírus e formas de combate, imagens panorâmicas da cidade deslocam-se das praias às lagoas e suas orlas, das grandes vias ao mercado público e sua falta de saneamento. Diante disso temos uma mulher com a nostalgia do amor passado.
Bruna Teixeira ao apresentar essa Maceió de contrastes, sendo uma das cidades mais procuradas pelos turistas, não fala somente desse lugar, poderia ser em qualquer parte do Brasil, país de praias e do agronegócio. Mas há uma singularidade, o isolamento social não foi realizado em conformidade ao solicitado, não houve respeito, mas qual respeito há quando as pessoas insistiam em manter o comércio aberto, quando a população vive em precárias condições de vida?
Em A três andares, a montagem realizada tem dinamismo, há poesia na narrativa das cenas em que a personagem de Bruna fala sobre a carta que escreve para a sua ex namorada, tomando todos os cuidados quanto ao Coronavírus, fala de suas esperanças pós-pandemia.
Com muita poesia o curta Vida dentro de um melão, de Helena Frade, fala sobre as relações familiares, sobre afetos, do olhar atento para cada membro de sua família. Uma casa-fruta, avós, mãe, pai, irmã e uma gatinha, seres híbridos, o filme também se faz híbrido com animação, fotografias, e outras imagens de acervo. O hibridismo presente entre três gerações, a vida que passa pelo olhar de uma menina, ela que registra o passar do tempo com preciosidade.
Somos levados e levadas para o aconchego daquele lar, nos aproximamos dessa família, dos seres-pássaros, seus gostos, os afazeres do dia-a-dia, do prazer pela leitura, perpassando pelo bordado de sua avó, dos cuidados com as plantas, dos afagos e carinho entre aqueles dois seres que se aninham, que vão cantar em outras direções. Vida dentro de um melão possui encanto, a trilha sonora é leve e sensível, o figurino das personagens, é uma animação detentora de forte delicadeza.
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A Barca (foto em destaque), de Nilton Resende, curta metragem baseado no conto “Natal na Barca” de Lygia Fagundes Telles, nos apresenta três mulheres, duas protagonistas Marina (Ane Oliva) e a mãe (Wanderlândia Melo), e a condutora (Aline Marta).
Na astrologia o elemento água está ligado aos sentimentos, os três signos que o representa são: câncer, escorpião e peixes. As gravações do curta foram feitas na Laguna Manguaba – elemento água-, ambiente de pesca, de sentimento de gratidão por partes do pescadores, a água que é quente durante o dia e que esfria ao anoitecer. Cuja cor é verde, vida e morte.
A Condutora – a represento aqui por escorpião – tem em seu olhar profundidade, conduz a barca com sabedoria, ela observa o percurso e os passageiros e passageiras em sua embarcação, tem ar de mistério e carrega ao seu lado uma gaiola com um pássaro. Tudo naquele ambiente é enigmático, místico.
Marina – peixes – embarca nesse ambiente, “qual o seu destino ao pegar a barcaça?”, nos perguntamos. Há quem diga que pessoas de peixes vivem no mundo da lua, mas que são providas de demasiada sabedoria.
A mãe – câncer – tem sentimentos profundos, cuidado com os seus, voltada à família, cuida de quem estiver ao seu redor. Vemos isso quando Marina se molha com respingos da água da lagoa, a mãe oferece um pano do seu filho que carrega em seu colo para que Marina possa se secar. Aquele cuidado e atenção fazem com que Marina se aproxime e possa dialogar com a personagem de Wanderlândia Melo. Os diálogos são pausados, não há pressa em falar, as personagens se entendem pelo olhar, há uma audição atenta, mulheres que se entendem, os sentimentos são compartilhados. A mãe fala sobre o filho deitado em seus braços, que se encontra ali para o levar ao médico, fala do filho mais velho e da morte prematura, da ausência do pai. Nesse compartilhar, Marina tem em seu olhar vivacidade, bebe da taça profunda de esperança cedida pela personagem da mãe.
Nilton Resende é geminiano, no tarô o signo de gêmeos é representado pelo “O Mago”, o ser que conduz os quatro elementos, detentor de ação, criação, sabedoria e habilidade. Com seu olhar atento ao outro Nilton dirigiu A Barca com grande habilidade, bem como sua equipe de fotografia, produção, montagem, direção de arte.
Gravado na última semana de lua cheia de fevereiro de 2019 , o curta é vencedor dos prêmios de Melhor Direção – Primeiro Plano 2020 – Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Filme Nacional no Festival de Cinema de Muriaé, e de Melhor Fotografia – CineFest Gato Preto.
Participou da 10ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano, 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Holidays 365 International Film Festival, 6ª edição do PLATEAU – Festival Internacional de Cinema da Praia, 5ª Rio Fantastik Festival – Festival Internacional de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro 2020, Francigena Film Festival, CineFest São Jorge, UK Christian Film Festival, CineFest Gato Preto, 42º Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano.
Em Reduto, de Michel Santos, três cidades são apresentadas, Cachoeira (BA), Luís Eduardo Magalhães (antiga Mimoso do Oeste-BA) e Barreiras (RS), faz um contraponto de como o audiovisual e a publicidade legitimam a exploração das terras por meio do agronegócio e da indústria de agrotóxicos.
Fazendo recortes de imagens de acervo acerca da produção audiovisual utilizada em campanhas publicitárias de incentivo da mão de obra sulista no município de Luís Eduardo Magalhães, cidade na qual Michel Santos morou, campanhas que visam o apagamento e embranquecimento da comunidade. Há nesses materiais desvalorização da comunidade e de suas terras para que fossem vendidas a preços irrisórios, exaltando a mão de obra e de novos moradores vindos do Sul do Brasil para ocupação das terras, que segundo as campanhas se tornaram mais produtivas com a força do agronegócio gerando riqueza ao Estado. Seis das dez maiores empresas mundiais de agrotóxicos estão com sede em Luís Eduardo Magalhães.
Em Cachoeira, no curso de Cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Michel Santos encontra um outro sentido para o audiovisual, nesse processo de desconstruir o que vivenciou no município que sedia àquelas empresas.
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