“A Utopia de cada dia”: uma entrevista com Werner Salles

Werner no set de "História Brasileira da Infâmia" (2005) / Acervo Pessoal
Texto e imagens: Lucas Carvalho / Revisão: Larissa Lisboa.

Homenageado da 14ª Mostra Sururu, Werner Salles dialoga sobre sua trajetória e divide com o Alagoar suas perspectivas e esperanças sobre o cinema em Alagoas: “fazer parte disso, seja como for, me deixa orgulhoso” 

O nome Werner Salles Bagetti é conhecido na cena audiovisual do estado. Não apenas por estar envolvido num dos projetos que mais ganhou visibilidade nos últimos anos, o filme “Cavalo” (2020) – habilitado para o Oscar e colecionador de premiações -, mas, principalmente, pelas duas décadas acumuladas de atividade do brasiliense de Maceió, que foi o homenageado da 14ª edição da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, no último domingo (10). 

Um dos fundadores do estúdio “Núcleo Zero” e da produtora “Filmes Imperfeitos”, itinerante do vídeo mapping, o jornalista, roteirista, diretor e montador fez parte da concepção da própria Sururu, tendo exibido produções ainda na primeira edição do evento. Essa memória foi relembrada durante a homenagem, com a exibição do filme “Imagem Peninsular de Lêdo Ivo” (2004), primeiro contemplado do edital DOCTV em Alagoas, no ano de 2003, que narra a trajetória do poeta alagoano e a visão ácida de sua terra. 

Em linguagens distintas, os dois criadores, em gêneros híbridos, se destacaram em suas leituras sobre a terra das alagoas, postas cada uma em sua forma. Um, no passeio da Raposa, que desce para o centro da cidade entre os arbustos da literatura, e com seu exame descreve as figuras e formas desse povo. O outro, na luz, no som e na imagem, deixa no mundo seu próprio deslizar poético, e se torna Raposa, da mesma maneira que deixa que o público também se torne, ao passear entre as “coisas de Alagoas” postas em tela. 

Ao passo da contagem dos anos, e por ocasião das memórias postas em homenagem, entre o visual e a literatura, Werner compartilhou com a equipe do Alagoar um pouco da sua visão e perspectiva sobre o fazer cinema, políticas públicas e sobre o que representa, neste momento, ser lembrado dentro da quase debutante janela do nosso cinema.

“Eu sinto a vida como uma montanha russa. Na maioria das vezes estou de cabeça pra baixo…”

ALAGOAR – VOCÊ TEM UM HISTÓRICO DE FILMES CONVIDADOS, SELECIONADOS E PREMIADOS NA MOSTRA SURURU. PARA VOCÊ, O QUE REPRESENTA A HOMENAGEM DESTE ANO? 

Werner Salles – Eu estava junto com a galera na concepção da primeira Mostra. Então, o meu maior orgulho é ver a dimensão que a Sururu tomou nesses 14 anos: os filmes, os novos realizadores e a maturidade que o cinema alagoano adquiriu ao longo desse tempo. E fazer parte disso, seja como for, me deixa orgulhoso.  

Sobre a homenagem em si, eu sinto a vida como uma montanha russa. Na maioria das vezes estou de cabeça pra baixo. Não sou necessariamente humilde, mas, sou muito crítico ao que faço. Mesmo assim, acho que a gente também tem que estar aberto pra receber. Abrir novas perspectivas, ciclos… Sei que a homenagem foi honesta e sei que as falas foram verdadeiras. Isso torna tudo ainda mais especial, porque são pessoas que admiro. Estava pronto para receber essa homenagem, que me coloca apenas no topo da montanha russa para mais um mergulho no desconhecido, com humildade e com gratidão. 

“Isso que marca num filme (…)  A experiência, a troca, a construção coletiva e principalmente as amizades…”

A – DURANTE A HOMENAGEM FOI EXIBIDO O FILME “IMAGEM PENINSULAR DE LÊDO IVO”, DE SUA DIREÇÃO, CONTEMPLADO DO PROJETO DOCTV/AL E SELECIONADO NA PRIMEIRA EDIÇÃO DA MOSTRA SURURU, EM 2009. FALA UM POUCO SOBRE A PRODUÇÃO DO FILME, O QUE TE LEVOU A CONTAR A HISTÓRIA DO POETA ALAGOANO E O QUE REPRESENTOU PRA VOCÊ TER O PROJETO SELECIONADO E CIRCULADO EM TV ABERTA. 

WS – Imagem Peninsular de Lêdo Ivo foi produzido em 2004. Vai completar 20 anos ano que vem. Olhando em retrospecto parece muito tempo, mas, a sensação que eu tenho é que foi ontem. Em 2003 eu e meu irmão Weber criamos a Núcleo Zero, com o sonho de fazer cinema.  Foi um momento importante pra gente. Botar em prática o nosso desejo de produzir audiovisual em Alagoas. E estamos há 20 anos produzindo. O IPLI foi um encontro também, com uma visão de Alagoas, que o poeta Lêdo Ivo descreve em sua obra. Uma Alagoas anfíbia, contraditória, que a gente ama e odeia. O filme também marcou uma parceria com amigos que perduram até hoje. Lelo Macena, na direção musical, Charles Noutrupe na edição, Weber Salles na Direção de Arte, Emerson Maranhão na Produção, Roberto Iuri na direção de fotografia. Amigos e parceiros de vários outros filmes. Isso que marca num filme. As vezes o que está fora das imagens. A experiência, a troca, a construção coletiva e principalmente as amizades.   

A – VOCÊ TEM NO CURRÍCULO A CO-DIREÇÃO DE “CAVALO”, PRIMEIRO LONGA-METRAGEM ALAGOANO REALIZADO COM EDITAL PÚBLICO, QUE CHAMOU ATENÇÃO NACIONAL E INTERNACIONALMENTE, HABILITADO PARA CONCORRER A UMA INDICAÇÃO AO OSCAR. COMO FOI PARA VOCÊ VER ESSA REPERCUSSÃO DO TEU TRABALHO? O QUE “CAVALO” REPRESENTA NA SUA CARREIRA? E COMO IMPACTOU A COMUNIDADE A QUAL DÁ VOZ? 

WS – “Cavalo” é um projeto lindo, uma experiência marcante para todos que participaram. Tenho muito orgulho de ter feito parte dele. E ele celebra uma parceria que eu tenho há anos com Rafhael Barbosa. A gente se uniu para fazer este filme em processo de co-criação, entre a gente, e, principalmente, com todos que participaram: o elenco maravilhoso, potente, a equipe de preparação, direção de arte, a técnica, enfim, todo mundo contribuiu nesse processo. A força do filme é justamente essa experiência coletiva, verdadeira, com poucas palavras, profissionalismo e uma boa dose de intuição. O impacto pode ser medido no resultado, através das críticas, reflexões e projetos acadêmicos que ele inspirou.  

A – O QUE É PARA VOCÊ FAZER FILMES EM ALAGOAS? 

WS – A utopia de cada dia.  

A – NA SUA OPINIÃO, O QUE MUDOU NA CENA AUDIOVISUAL DE ALAGOAS, DO SEU PRIMEIRO FILME ATÉ AGORA? 

WS – Desde o meu primeiro até hoje, todos os filmes são frutos de políticas públicas. O DocTv, que eu fiz em 2003, é fruto de uma política pública do governo Lula, ainda no ministério do Gilberto Gil, no processo de regionalização da produção nacional. De lá pra cá, houve um amadurecimento dessas políticas, da Ancine, com os Arranjos Regionais, Aldir Blanc, Paulo Gustavo que ampliaram recursos e impulsionaram as produções. Outra coisa que eu vejo é um engajamento muito forte do setor aqui em Alagoas, com bastante disposição e poder de mobilização. Tudo isso impulsiona o audiovisual para frente. Outro fator importante é a fábrica de talentos que é Alagoas. A cada ano, Alagoas está encontrando cada vez mais espaços nos principais festivais de cinema do Brasil e do mundo e revelando sempre ótimos realizadores.   

“Esses signos juntos, imagem, poesia e imaginação me trouxeram para o cinema…” 

A – VOCÊ HOJE POSSUI COM UMA SÉRIE DE ROTEIROS E DIREÇÕES NA BAGAGEM, ALÉM DAS PREMIAÇÕES E DA OBRA RECONHECIDA INTERNACIONALMENTE. MAS, NO COMEÇO, O QUE TE TROUXE PARA O AUDIOVISUAL? COMO O WERNER CHEGOU AO CINEMA? 

WS – Eu sempre fui muito visual. Trabalho com imagem, seja no design gráfico, nas artes visuais, na publicidade desde cedo. Mas, antes disso, eu tive uma vida de leitor, eu amo livros, literatura, poesia. Acho que esses signos juntos, imagem, poesia e imaginação me trouxeram para o cinema. 

A – NESSE SENTIDO, HOJE, O QUE TE INSPIRA A PRODUZIR E SEGUIR PRODUZINDO? 

WS – As histórias, as pessoas, Alagoas, o mundo. Contar histórias, trabalhar com linguagem, experimentar narrativas, explorar o desconhecido, dentro e fora de nós; o real, o irreal e o sobrenatural. Tudo isso me inspira a continuar produzindo. Fazer cinema é uma busca de autoconhecimento.   

A – OLHANDO PARA FRENTE, O QUE ENXERGA PARA O FUTURO DO AUDIOVISUAL EM ALAGOAS? 

WS – Eu vejo a consolidação de uma cena muito forte, que vem representando muito bem Alagoas nos festivais nacionais e internacionais, e aguardo com expectativa os longas-metragens que estão em produção neste momento. Também espero um “boom” considerável por conta dos editais da Paulo Gustavo e Aldir Blanc no estado inteiro. O futuro é promissor.  

“Fazer cinema é uma busca de autoconhecimento…” 

A – O QUE PODEMOS ESPERAR EM BREVE? QUAIS SÃO SEUS PRÓXIMOS PROJETOS? 

WS – Atualmente estou em pré-produção do meu segundo longa-metragem, agora em ficção, “Ed. Miami”. Também em fase de pré-produção com o longa-metragem em animação UTOPIA em parceria com Rafhael Barbosa e do curta em Stop-Motion Gogó da Ema, com Nina Magalhães.

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