Texto: Ailton da Costa
O Cinema e o Espaço Emocional Tangível
Fiquei muito feliz e entusiasmado com o convite feito por Larissa Lisboa para a realização de uma curadoria de filmes e videoclipes que estão disponíveis no site Alagoar, espaço virtual que se tornou o principal repositório das produções audiovisuais alagoanas.
Desde o início de minha paixão pela sétima arte, e mais precisamente de minha pesquisa sobre o Cinema Novo brasileiro, procurei realizar uma análise dos filmes que assisto observando intimamente a correlação entre a representação da realidade que vemos na tela e o quanto ela permite transportar nossa percepção a um espaço emocional tangível, em que o detalhe enquadrado, que passaria despercebido na vida ordinária, adquire total significância através de nosso olhar frente ao filme. Inspirado por essa consciência reflexiva, destaquei no acervo cinco filmes alagoanos e cinco videoclipes que transportaram minha percepção a esse espaço emocional tangível.
Iniciamos nossa viagem pelos filmes alagoanos. Uma das principais funções do cinema, a meu ver, sempre foi o de reconhecimento do detalhe emocional que vemos enquadrado na tela, e que, em muitas tramas, convida- nos para dançar, e é exatamente essa dança que sentimos em Projeções, no seu balé de mãos criado, diga-se de passagem, a muitas mãos, em projeto coletivo que uniu digitais e falanges de Larissa Lisboa, Nataska Conrado, Adso Mendes, Tuca Siqueira e Oscar Malta, fruto da oficina de VideoArte. Esse pequeno vídeo de pouco mais de um minuto e vinte estabelece uma junção entre o toque sensual e sensível de mãos que dançam na escuridão, mergulhadas em projeções desconhecidas e até oníricas.
O impacto da luz que invade um ambiente pode ser sentido em Turunguinha, de Pedro Krull, que nos convida para o interior da biblioteca municipal da minha amada cidade natal Palmeira dos Índios. Acompanhamos meu querido amigo cordelista José Francisco Bezerra, de apelido Turunguinha, que apresenta um pouco de sua vida em meio as estantes antigas de livros, como se a biblioteca fosse o interior dele mesmo enquanto artista, e onde a construção do cordel torna-se a máxima expressiva da palavra que ele mesmo ilumina para todos ao abrir as portas da antiga biblioteca.
O cinema documental é o gênero que dá voz ao que nos é desconhecido, ao conjunto de signos e expressões que estão dispersos no dia a dia, e que ganham sincronia na montagem do filme. É sobre as vozes que elucidam um espaço que trata Vozes do Penedinho, de Pedro Nunes, em que criamos a imagem do Povoado Penedinho através das historias de vida dos moradores da comunidade. A menção às lutas diárias presentes na conjuntura das falas e à transposição do rio São Francisco são apresentadas na tela em meio à repetição de imagens do rio e das famílias de pescadores, que de forma quase jornalística nos concede a reflexão necessária.
Observamos a construção da imagem e da vivência de um povo também em Jegada, de Celso Brandão, só que através de sequências de imagens em preto e branco que nos apresentam um dos símbolos máximos da região sertanejo-nordestina que é o Jegue. Os depoimentos dentro de uma belíssima fotografia em preto e branco revelam o saudosismo envolvendo o animal e a sua relevância nas vidas de todos. Duas alegorias documentais da imagem do povo que evocam diretamente o cinema do mestre Eduardo Coutinho.
O anseio por uma nova vida e pela fuga para outro lugar também esta presente em Sol Encarnado, de Pedro da Rocha. Influenciado pelo que houve em seu rádio portátil, acompanhamos o personagem central dessa trama que sonha com a fuga de sua vida no interior e a conquista de um espaço presente na cidade por ele idealizada, mas a experiência concreta mostra-se diferente do imaginado. Um destaque para a direção segura e o elenco primoroso.
Dando continuidade à visitação dos espaços emocionais concebidos através da imagem em movimento, inicio minha análise de videoclipes pelo corpóreo e underground So Many Wrong, de Hey Hek, em que vemos e ouvimos a expressão humana em gestos em meio à sombra que canta e revela um estado particular pouco conhecido de nós mesmos, fazendo lembrar performances que vão desde Robert Smith do The Cure até Marilyn Manson. Música, câmera e sombra que revelam o artista.
Outro exemplo de corpo e câmera que dançam na construção da imagem é San Francisco, dirigido por Henrique Oliveira. Impossível não ser conduzido pela coreografia e a música da banda Projeto Sonho, juntamente com a direção de fotografia que brinca com a luz no espaço do teatro, celebrando a vida em três momentos, do nascimento da atriz no palco – ou despertar de um sonho -, passando pela paixão da dança com seu par até o cair e o sono novamente. Emotivo e estrondoso.
E saindo da sombra embarcamos em um passeio Na minha Jangada, produzido e dirigido por Izael Filipe, com imagens da lagoa Mundaú que revelam o contraste social presente na capital Maceió. O grupo Tequila Bomb faz uso de uma base de reggae, e, é claro, de uma influência sonora jamaicana para ilustrar a resistência do jangadeiro frente às adversidades e injustiças, conclamando de fato uma “elevação espiritual”.
Em O Surto, dirigido por Anderson Barbosa, somos transportados para um ambiente sonoro particular em que o new metal e o grunge ainda reinam absolutos através da banda Dharma. A justaposição de imagens frenéticas e distorcidas associadas à música que explode com os riffs de guitarra certeiros. Um clipe muito bem executado e revelador de um estilo.
E ainda sobre a celebração de estilos dentro da configuração cinematográfica temos Bonita, de Marianna Bernardes. Um enredo de fundo circense, onde a presença artística de Fernanda Guimarães é notável, trazendo-nos docemente o encantamento da Bossa Nova, ao lado da metonímia do palhaço. Um detalhe especial são as animações e o design gráfico muito bonito.
Vislumbramos nessa pequena e emotiva viagem pelo audiovisual alagoano o impacto provocado pela revelação desse espaço emocional tangível, alcançado de forma amplamente particular, através dos nossos sentidos, os quais diante do filme exposto na tela permitem conhecer a nós mesmos.
*Ailton da Costa (Costa Livre Filmes) ailtondacosta1987@gmail.com
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