[Carta] Encontros e desencontros com a Lei Paulo Gustavo em Alagoas

Texto: Larissa Lisboa

Aviso: Este é um texto relato, por isso que antes do título está a palavra “Carta”, e como um relato pessoal esta escrita parte da minha vivência mais do que do meu compromisso com a pesquisa sobre o audiovisual brasileiro, e principalmente com o audiovisual alagoano.

Como muitas pessoas, comecei 2023 na expectativa da regulamentação e implantação da Lei Paulo Gustavo. Vi em março que rolaria a primeira oitiva sobre a linguagem audiovisual organizada pela Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), desejei e não desejei estar presente.

Desejei porque era importante marcar presença e me informar, e não desejei porque sabia que seria doloroso para mim me fazer presente, me conectar com coisas boas e não tão boas, e depois me cuidar para processá-las na medida que eu pudesse.

Tentei me convencer a não ir, mas acabei indo. Foi muito mais doloroso do que eu poderia imaginar. Como alguém comprometida a difundir informações e democratizar o acesso a conhecimento e incentivos públicos, e que se propõe a construir espaços de troca e formação, não seria confortável estar numa reunião que cobrava respostas e definições imediatas e descontextualizadas, e estava alinhada à prática institucional e extra institucional de manutenção de privilégios e silenciamento.

Para esboçar de forma precariamente resumida, as pessoas presentes deram voz a muitas demandas relevantes, que já de partida foram identificadas como desalinhadas com a reunião e com a Lei Paulo Gustavo. E isso não foi um detalhe, nem era apenas responsabilidade das pessoas que levaram suas demandas estarem alinhadas, menos ainda se obrigarem a caber no alinhamento desejado pelos organizadores daquele encontro.

Escolho aqui não pormenorizar a reunião, pois esta não é a proposta deste texto, e também por compreender que ainda pode ser desafiador para mim sozinha conseguir dimensionar as complexidades daquele dia, ou até mesmo acolher e reconhecer possibilidades viáveis e democráticas além das que estão sendo exercidas através da Lei Paulo Gustavo, como consultas virtuais e oitivas presenciais e virtuais.

Ao mesmo ponto que escolhi mencioná-la para não deixar ainda mais silenciada do que eu já a havia silenciado em mim, e reconhecer que ela foi o meu primeiro encontro com a Lei Paulo Gustavo, e que nesses sete meses entre o dia que ela foi realizada e hoje, algumas coisas foram cuidadas, outras foram mais descuidadas, tiveram diálogos, silenciamentos, e ainda não chegaram os editais de Maceió.

Acho significativo também compartilhar que acredito na prática de propor e manter espaços para diálogo pode ser muito construtiva, mas para isso é básico assumir responsabilidades com a democratização do acesso à informação, assim como aos recursos públicos. Sei o quanto se comprometer com a escuta pode ser desafiador e transformador, e que é preciso reconhecer que não há escuta quando há desconexão. 

Acrescentaria também que falta formação, falta formação não apenas para as pessoas que desejam acessar os recursos públicos, mas para as que já os acessaram ou os acessam, e principalmente para os representantes das entidades que estão responsáveis pela execução da Lei Paulo Gustavo. Não estou desconsiderando o esforço que foi feito pelo Ministério da Cultura (MINC), que em muitos sentidos foi eficiente, virtual e presencialmente, nem inviabilizando que fosse feito algum trabalho de formação. 

Desde março, na medida que eu pude, me mantive atenta para acompanhar as providências e convocatórias propostas pelas instituições que representam Maceió junto à Lei Paulo Gustavo (LPG) e a Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (SECULT-AL). E pude acompanhar as reuniões e oitivas realizadas pela SECULT-AL virtualmente, que foi também desconfortável e doloroso, mas ao menos eu pude parar de ver em momentos mais intensos e dar uma respirada, antes de decidir se retornava ou não a ver.

(Caso você esteja se perguntando como eu fiz para acompanhar, eu busquei na medida que pude visitar os perfis do Instagram da FMAC, SEMEC e SECULT-AL. Deixo aqui também a informação de que estão disponíveis as transmissões das ações realizadas pela SECULT-AL no Youtube)

E até 09/10/20223, acreditei que estava bem informada, mas não estava. Fiquei esperando que os editais que viessem a ser lançados pelos municípios alagoanos fossem divulgados, pelos veículos de comunicação, pelas prefeituras, ou por perfis institucionais municipais e estaduais.

E fiquei chocada ao perceber que eles mal estão sendo divulgados, após ter acesso indiretamente a informação de que já haviam sido lançados editais da Lei Paulo Gustavo em Maragogi via grupo de Whatsapp. Assim, percebi que precisava ir atrás de informações sobre os editais lançados pela Prefeitura de Maragogi, e pesquisei no Google, o que localizei foi apenas uma matéria que não mencionava o que eles iriam contemplar e informava que as inscrições seriam presenciais.

Fuçando no site da Prefeitura de Maragogi após não conseguir localizar os editais no espaço “edital”, fui em documentos oficiais>diário oficial, e acessei as edições próximas a data da matéria, até localizar os editais na edição de 01/09/2023.

Este diário que acessei pelo site da Prefeitura de Maragogi, é o Diário Oficial dos Municípios Alagoanos da Associação de Municípios Alagoanos (AMA). Por curiosidade, então comecei a baixar as edições do diário após acessar o site da AMA e fui ficando com dificuldade de processar que muitos municípios já haviam lançado seus editais da Lei Paulo Gustavo (LPG).

Dediquei mais ou menos oito horas para baixar e acessar os diários dos Municípios alagoanos, comecei do mais recente e fui até o de 28 de junho de 2023. Pesquisei em cada um dos 70 diários (aprox.) pelo termo “Paulo Gustavo” e fui reunindo num arquivo cada publicação que encontrava.

Compartilho aqui as minúcias, não apenas para dar noção e valor (subjetivo e objetivo) ao trabalho de pesquisa, mas também para lembrar que o Alagoar é aberto a colaborações, tanto pessoas que desejem repassar conteúdos, como também que desejem se voluntariar para realizar ações como esta, também aceitamos doações financeiras via pix (audiovisualagoas@gmail.com).

O estado de Alagoas é composto por 102 municípios, e todos eles receberam recursos para a realização de editais da Lei Paulo Gustavo (LPG) via Ministério da Cultura e Governo Federal, cito como fonte a matéria “Em Alagoas, 100% dos municípios aderem à Lei Paulo Gustavo” de autoria de Ryan Charles/ Ascom Secult. É possível também conferir a tabela de valores repassados a partir da matéria da Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal: Alagoas: Lei Paulo Gustavo destina mais de R$ 75,6 milhões em recursos ao setor cultural 

Pela busca que realizei pude localizar editais lançados pelos municípios de Japaratinga, São Miguel dos Milagres, Olho D’água do Casado, Canapi, Taquarana, São José da Lage, Maragogi, Pindoba, Água Branca, Chã Preta, Campo Alegre, Rio Largo e Delmiro Gouveia. Abaixo os identifico e indico o dia em que foram publicados no Diário Oficial dos Municípios Alagoanos:

EDITAL Nº 001/2023 (Japaratinga) – audiovisual e demais áreas da cultura –  publicado no diário de 28/06/2023

EDITAL Nº 01/2023 (São Miguel dos Milagres) – audiovisual e demais áreas da cultura –  publicado no diário de 05/07/2023

EDITAL Nº 001/2023 (Olho D’água do Casado) – audiovisual e demais áreas da cultura –  publicado no diário de 31/07/2023

EDITAL CIPRIANO GOMES (Canapi) – Audiovisual – publicado no diário de 21/08/2023

EDITAL MARTINHA (Canapi) – demais áreas da cultura – publicado no diário de 21/08/2023

EDITAL BACURAU DO PIFE (Taquarana)  – Audiovisual – publicado no diário de 22/08/2023

EDITAL WILSON FILHO (Taquarana) – demais áreas da cultura – publicado no diário de 22/08/2023

EDITAL Nº 01/2023 (São José da Lage) –  publicado no diário de 29/08/2023

EDITAL No 02/2023 (São José da Lage) –  publicado no diário de 29/08/2023

EDITAL Nº 035/2023 (Maragogi) – Audiovisual – publicado no diário de 01/09/2023

EDITAL Nº 036/2023 (Maragogi) – Audiovisual – publicado no diário de 01/09/2023

EDITAL  Nº 037/2023 (Maragogi – Audiovisual) – publicado no diário de 01/09/2023

EDITAL Nº 038/2023 (Maragogi) – demais áreas da cultura – publicado no diário de 01/09/2023

EDITAL Nº 01/2023 (Pindoba) – publicado no diário de 05/09/2023

EDITAL CINE ÁGUA BRANCA  (Água Branca)  – Audiovisual-  publicado no diário de 14/09/2023

EDITAL MESTRE BOGUE  (Água Branca) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 14/09/2023

EDITAL No 03/2023 (Sâo José da Lage) – Audiovisual – publicado no diário de 28/09/2023

EDITAL PRÊMIO MESTRE PROFESSOR PEDRO TEIXEIRA (Chã Preta) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 06/10/2023

EDITAL EDVALDO JOSÉ DE LIMA – KARA VÉIA (Chã Preta) – audiovisual –  publicado no diário de 06/10/2023

EDITAL JOÃO ROMÃO DOS SANTOS (Campo Alegre) – audiovisual e demais áreas da cultura –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL MESTRE ZINHO (Rio Largo) – audiovisual –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL MESTRE JUVÊNCIO JOAQUIM DOS SANTOS (Rio Largo) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL CINEMA ITINERANTE (Rio Largo) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL No 03/2023 (Delmiro Gouveia) – Audiovisual –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL No 04/2023 (Delmiro Gouveia) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 09/10/2023

EDITAL No 05/2023 (Delmiro Gouveia) – demais áreas da cultura –  publicado no diário de 09/10/2023

Boa parte dos editais já concluíram a etapa de inscrição, muitos até já divulgaram resultados (parciais e/ou finais). 

Em menos de dois dias, acessei um volume imenso e complexo de informações, principalmente lendo rapidamente por curiosidade o que foi contemplado ou como foram contempladas as linguagens culturais pelo edital, principalmente a do audiovisual. 

Exercito aqui elencar dificuldades específicas deste processo de pesquisa que estou me dedicando a realizar pois acredito que elas também representam dificuldades para a maioria das pessoas que acessam diários oficiais. Começo pela diagramação, diários oficiais reúnem muitas informações e a forma como eles são diagramados impacta na dificuldade de leitura; a linguagem, ou tipo de escrita mais comum aos diários oficiais, também está mais comprometida com dificultar a leitura do que precisava estar; e os editais reúnem muitas informações, muitas vezes mal elaboradas, o que colabora ainda mais para desestimular as pessoas a lê-los.

Confesso que eu não tive condições sequer de observar outras definições importantes para que as pessoas consigam acessar estes editais como prazo de inscrição; busca ativa, além de disponibilizar inscrições presenciais e virtuais; disponibilizar o edital em arquivo PDF (em outro formato que não o que foi publicado no diário oficial); editais e divulgações com recursos de acessibilidade como LIBRAS, audiodescrição e LSE; entre outros. E também acho desafiador conseguir dar conta de pesquisar, reunir os dados e analisar, essas e tantas outras coisas relacionadas aos editais e a Lei Paulo Gustavo (LPG) que já abordei aqui sem qualquer tipo de incentivo financeiro, para não dizer inviável.

Tenho intenção de continuar pesquisando os diários oficiais dos municípios alagoanos para ver com os meus próprios olhos todos os editais que serão lançados, e na medida do que for possível buscarei trazer aqui para o Alagoar, para o espaço dedicado a LPG

Outra forma também de colaborar com esse trabalho e com o Alagoar é repassar por aqui, pelas redes sociais e/ou pelo e-mail audiovisualagoas@gmail.com divulgações relacionadas aos editais alagoanos da Lei Paulo Gustavo (LPG), ou sobre qualquer ação que abarque o audiovisual alagoano.

P.S.: Diante do fato de que o primeiro edital alagoano via Lei Paulo Gustavo foi lançado 28/06/2023, é cabível o agravamento da percepção de que os editais a serem lançados pela Prefeitura de Maceió (e suas entidades representativas culturais) e os editais do Governo de Alagoas via SECULT-AL estão muito atrasados.

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Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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