[Carta] Formas de acompanhar uma Mostra/Festival de cinema

Texto: Larissa Lisboa


Parto da premissa de que cada pessoa tem uma vivência particular no mundo, para dizer o óbvio: cada pessoa acompanha uma mostra/festival de cinema na sua perspectiva. No entanto, quando pensamos em como acompanhar os eventos de cinema, no geral podemos ouvir e/ou nos dizer que há uma forma “certa” de acompanhá-los.

Será que de fato acompanhar um evento de cinema/audiovisual em qualquer medida que seja possível não é uma forma “certa” de acompanhar?

Acredito que toda e qualquer pessoa se relaciona com mostras e festivais de cinema mesmo sem conseguir marcar presença neles, pois ainda há muitos deles que fazem parte da minha vida, mesmo que eu sinta que posso nunca ter o privilégio de vivenciar uma edição deles. 

Abro um parêntese também para reconhecer que muitas pessoas são impedidas de se quer considerar acompanhar qualquer evento cultural, principalmente as que têm os seus direitos básicos negados. Ressalvo também que oferecer recursos de acessibilidade é cumprir os direitos das pessoas com deficiências, contudo a pauta transporte/locomoção para todas as pessoas absurdamente segue sendo invisibilizada. 

Muitos eventos de cinema passaram por reformulações em meio a pandemia de Covid-19, o que possibilitou que as formas de acompanhar uma mostra/festival não estivessem apenas condicionadas ao comparecimento parcial ou integral no evento, permitindo inclusive que muitas pessoas pudessem acessar eventos que não conheciam ou não julgavam possível acompanhar até acessá-lo virtualmente.

Houveram também mostras e festivais que não foram realizados por conta do Covid-19, ou foram adiados.

As ações culturais nos proporcionam conexões, em especial para mim as de audiovisual/cinema, elas reverberam às vezes ou na maioria das vezes em seu público mesmo que muitas pessoas resistam em reconhecer e compartilhar sobre.

Inúmeras vezes eu também fui uma pessoa que resistiu em reconhecer e compartilhar o efeito que acompanhar um dia de uma Mostra/Festival de cinema/audiovisual, ou vários dias, ou até mesmo de só ouvir falar sobre aquele evento provocou em mim.

E hoje eu sei que muito da minha resistência tinha a ver com o fato de que eu não me achava digna de elaborar e escrever sobre aquelas conexões que os eventos de audiovisual/cinema me provocaram, também porque eu tinha medo de não agradar. 

Talvez possa não ser novidade para você falar sobre autossabotagem, baixa estima e medo, podemos agir como se isso fosse óbvio e por isso também não seria construtivo falar sobre essas questões, no entanto, é no silenciamento das nossas dores que a gente mais empodera o que não nos faz bem.

Acabei de acompanhar um evento de cinema do meu estado, de 14 a 20 de novembro de 2022, o Circuito Penedo de Cinema em Penedo-AL. Foi a minha nona ida àquela cidade para acompanhar presencialmente o Circuito. Evento que eu também acompanhei on-line em 2020. 

Em paralelo, a acompanhar o Circuito enquanto espectadora presencial ou virtualmente em 2011, 2018 e 2020, eu também já acompanhei o circuito enquanto analista de audiovisual do Sesc Alagoas de 2012 a 2017, oficineira do Sesc Alagoas em 2014 e 2017, mediadora dos debates dos realizadores de 2015 a 2017, oficineira do Sebrae Alagoas em 2022 e revisora dos textos das coberturas realizadas pelos colaboradores do Alagoar de 2017, 2018, 2020 e 2021. 

Se me permitisse poderia ter construído textos registrando as vivências que tive por lá, o que eu ainda posso e poderei fazer quando e se eu assim me decidir. Tenho ainda que quebrar o medo que me impede de expressar por escrito o que as vivências com esse evento me provocam. Seja escrever sobre os filmes que assisti, inúmeros ao longo das edições que me causaram desconforto, ou que eu me identifiquei, ou sobre a vivência em acompanhar as edições do Circuito que sempre teve coisas positivas, mas também sempre teve inúmeras questões que me pareceram precisar de atenção.

Ao ver esse evento alcançar uma década em 2021, passei também a me permitir a observar o quanto de memória foi registrada em comparação a quanto ainda pode ser, a partir desse e de todo e qualquer evento cultural. Desejo ler textos acadêmicos ou independentes que abraçem nossas memórias culturais, em especial as do audiovisual alagoano.

Lembro que este é um espaço que abraça textos que abordam o nosso audiovisual e caso você queira saber mais sobre isso, entre em contato pelo e-mail audiovisualagoas@gmail.com

Print do filme Tempo de Cinema.

Você que já acompanhou de alguma forma o Circuito Penedo de Cinema, ou outra mostra/festival pode como qualquer outra pessoa dar vida às suas memórias na medida que lhe for possível. Como foi feito em Tempo de Cinema (dir. Rafhael Barbosa), sobre o qual eu me debrucei em [Carta] Penedo e Tempo de Cinema, texto no qual eu registrei a minha expectativa em acompanhar o processo de reabertura do Cine São Francisco, hoje Centro de Convenções Zeca Peixoto.

Eu já estive no Cine São Francisco. Fui transportada até lá ao contemplar quase uma centena de vezes, em Tempo de Cinema (2014, dir. Rafhael Barbosa), o reencontro vivido por Maria Celina, Cece, que trabalhou naquele cinema como bilheteira por 30 anos.

Através de Tempo de Cinema tive acesso à memórias de pessoas que eu nem conhecia, e tive recordações de uma sala de cinema que eu só conheci depois que ela foi transformada em outro equipamento cultural. Escrever sobre esse filme foi a forma que encontrei para reconhecer minimamente o quanto ele me provocava e parte do que representava para mim. Mas eu só me permiti escrever sobre ele, após ver uma foto de divulgação do Cine São Francisco ainda sem cadeiras, como o filme o havia me apresentado em 2014.

Cadeiras como qualquer outro objeto podem ser vistas como “descartáveis”. Particularmente eu vejo cadeiras antigas como objetos preciosos, que foram testemunhas de tantas memórias, inúmeras que a gente nunca vai saber e também inúmeras que podemos contar ou criar.  

A escrita, o rememorar, os registros pessoais e coletivos são preciosos mesmo que nos estimulem a desmerecê-los e desprezá-los. Quantas histórias só você é capaz de contar e criar do seu jeito? 

Esse texto nasceu do desejo de estimular toda e qualquer pessoa a acreditar que todo e qualquer acompanhamento de uma ação cultural, em especial de uma mostra/festival de cinema tem o seu valor, pois reverbera em quem se permite, e pode somar em qualquer medida para a valorização das memórias culturais, se fazendo presentes de forma concreta em obras artísticas, em especial em filmes e textos (independente de formato), como também de forma mais efêmera enquanto as nossas recordações forem oralmente compartilhadas.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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