Cine Fialho: Saudosa Maloca (dir. Pedro Serrano)

Parceria Cine Fialho. Texto: Marco Fialho. Revisão: Larissa Lisboa.

“Saudosa Maloca”, dirigido por Pedro Serrano, poderia até ser mais uma das várias cinebiografias dedicadas aos nossos grandes nomes da música popular brasileira, mas felizmente não o é. Talvez, o mais adequado a dizer do filme é que ele está mais para nos aproximar de um universo das músicas do grande Adoniran Barbosa, assim como de sua idiossincrática figura. E esse é o charme dele.

Esse fato explicado acima nos encaminha para uma questão central em relação ao espectador: se você não é familiar do universo de Adoniran, pouco vai apreender e até curtir as diversas referências nas quais o filme se assenta. A começar pelos personagens, que nada mais são do que os que desfilam pelos sambas e canções compostas por esta personalidade tão paulistana do Bexiga, com seu português macarrônico e popularesco, com os neologismos típicos desse mundo contaminado pela cultura urbana vinda das ruas.

Personagens como Joca (Gustavo Machado), Matogrosso (um esplêndido Gero Camilo) e Iracema (uma carismática Leilah Moreno), além do próprio Adoniran Barbosa (em um inusitado Paulo Miklos), formam o núcleo principal, sendo os dois primeiros os perfeitos vagabundos avessos ao trabalho. O diretor Pedro Serrano filma uma São Paulo de outrora, já inexistente, com muitas sombras e cores esmaecidas, em que o forte não está propriamente na reconstituição de uma época, sendo mais uma sugestão de uma certa atmosfera dos bairros populares, com seus cortiços e bares sem luxo.

Se no início bate aquela vontade de conferir a história da vida de Adoniran, aos poucos vamos vendo que esse não é o foco de Serrano. Não há um interesse em revelar detalhes da vida dele, mas sim partir das histórias das músicas, independente delas serem verdadeiras ou inventadas, isso realmente não importa, mas sim trabalhar com uma ideia de imaginário popular que a personalidade curiosa de Adoniran permitia criar. Me lembrou inclusive aquela máxima do cineasta norte-americano John Ford que dizia que na dúvida de publicar o fato ou a lenda, publica-se a lenda. “Saudosa Maloca” embarca nessa aventura fantasiosa a partir dos causos e personagens de Adoniran e quando sentimos que o filme é isso, as coisas ficam tão leves e sentimos uma vontade de morar naquela construção narrativa banhada pelo aspecto lúdico.

Não por acaso, a narrativa do filme nasce com Adoniran Barbosa sentado numa mesa de um bar, onde vai descortinando o mundo ao seu feitio, ou melhor, uma São Paulo que ele viu desmoronar para vir uma outra engolida pelo tal “pogréssio”. Serrano aproveita as letras, as histórias das músicas para incorporá-las quase que na totalidade nos diálogos. O diretor ainda flerta com as situações cômicas desse universo que aos nossos olhos vai se desfazendo como em um passe de mágica. A presença de Gero Camilo se transforma em um dos pontos altos da comicidade, com a habilidade dos seus trejeitos físicos e cacoetes faciais irresistíveis, como sempre aliás. Ele e Joca são os malandros que o tempo apagou, que o tal do “pogréssio” deixou para trás.

A especulação imobiliária é representada pela figura ambiciosa de Pereira (Paulo Tiefenthaler), o lado perverso do desenvolvimentismo paulistano, o tal que destrói e constrói coisas belas. Adoniran se coloca como o cronista dessa época cruel para a população despossuída, especialmente de trabalho, ou porque não tinha ou porque não queriam, caso de Joca, Matogrosso e Adoniran, já que eram chegados à ideia de malandragem, por não acreditarem nas estratagemas do discurso hipócrita do capital de que o trabalho daria dignidade ao trabalhador.

Esse ponto de vista que Serrano propõe é fascinante, de contar a história da Cidade de São Paulo pelo viés de personagens despossuídos, se utilizando da observação aguçada de Adoniran para criar um mosaico de tipos humanos que se colocaram à margem do sistema, que sobreviveram a ele. Daí os conflitos serem inevitáveis, e na narrativa de “Saudosa Maloca” eles são inseridos com um toque de humor refinado. Cada personagem traz a sua história de contendas com o desenvolvimento capitalista de São Paulo, o que estava nas músicas, agora está no filme de Serrano. E toda essa aventura popular é emoldurada pelas belíssimas músicas desse gênio inconfundível que foi Adoniran Barbosa.

Em Maceió o filme está na programação do Centro Cultural Arte Pajuçara no dia 21/03 às 20:30, 23/03 às 18:20, 24/03 às 16:20 e no 27/03 às 16:20.

Você pode acessar outros textos de Marco Fialho em Cine Fialho e acompanhar o trabalho dele pelo @cinefialho.

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