Cobertura: 10ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano – 2º dia

Texto: Roseane Monteiro e Fabbio Cassiano. Revisão: Fabbio Cassiano e Larissa Lisboa. Foto: Larissa Lisboa.

O cinema tem a capacidade de despertar inúmeras sensações, de nos emocionar, gerar questionamentos, de nos fazer reconhecer enquanto povo e cultura. Podemos afirmar que a segunda noite da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, que se encontra em sua décima edição, foi marcada por essas características: diversidade cultural, filmes para além das fronteiras de Maceió e gritos de protesto. A noite de exibição trouxe filmes das cidades de Maceió, Coruripe, Arapiraca e Quebrangulo.

Essa sessão teve o fluxo de cinco filmes do tipo documental e apenas um de ficção. As temáticas desses curtas apresentaram as peculiaridades culturais das diferentes regiões de Alagoas; seja a questão das crianças indígenas, a laguna Mundaú ou as manifestações culturais de Mané do Rosário e Nêga da Costa. Do mesmo modo, a inventividade humana e a esperança de dias melhores.

Uma coisa que foi predominante nesse dia foi a presença das águas de maneira explícita e implícita. O rio que o pequeno indígena nada em meio as matas, o bairro da Levada e sua relação simbiótica com a laguna Mundaú, o povoado de Poxim que fica à beira mar, entretanto na tela apreciamos os folguedos; assim como em Quebrangulo lugar onde o rio Paraíba do Meio adentra nas fronteiras de Alagoas e o folguedo Nêga da Costa que esteve em destaque. Voltamos ao litoral de Maceió pela ótica chuvosa e da escala de cinza da paisagem bucólica da praia. E por fim, para fechar a noite, uma barca iluminada atravessa os canais da Manguaba de maneira misteriosa, temos as águas escuras e calmas banhada pela noite.

Originários (dir. Marcelo Amorim)

O documentário de Marcelo Amorim retrata o cotidiano, os costumes, a arte das crianças indígenas de tribos espalhadas pelos cantos de Alagoas. O filme é focado nos meninos da tribo que sobem em árvores, comem jaca, fumam cachimbo, se pintam. Apesar de ter alguns problemas técnicos com o som, que pode inibir uma experiência mais completa do filme, é um registro de povos que em toda nossa construção histórica como nação, estão sendo combatidos. Outra questão que merece ser ressaltada é o não aprofundamento das personagens femininas.

Corpo D´água (dir. coletiva)

Documentário apresentado pelo 9ª edição do Ateliê Sesc de Cinema tem como protagonista, o bairro da Levada e a laguna Mundaú. O filme tem belíssimas tomadas da laguna, que dialoga com as imagens de abandono do bairro e dos seus canais. Os diretores fazem uso de fotografias e até trechos de filmes para enfatizar historicamente as transformações que a Mundaú vem sofrendo nos últimos anos. O filme faz uso de recursos clássicos da produção do documentário com narrador, imagens documentais para os espectadores didaticamente conhecerem os conflitos existentes, enfatizando a relação da sociedade alagoana com a Levada e a laguna Mundaú.

Mané (dir. coletiva)

O curta realizado coletivamente exibe o folguedo Mané do Rosário e as pessoas que sustentam essa tradição. São captadas imagens de mulheres usando vestimentas que cobrem todo o corpo, juntamente com chapéus de palha e saias de chita. Feito uma procissão, os brincantes e os curiosos desfilam e dançam pelo povoado de Poxim. Com a tomada realizada no sino da igreja, o filme exibe um belo colorido das roupas e dos passos dos dançantes. Contudo, o documentário se prende em planos fixos e não explora o balanço dos corpos.

Nêga da Costa (dir. Joelson de Oliveira)

O filme pode ser visto como o mais polêmico da noite pela própria constituição do folguedo, já que os participantes, todos homens, pintam o corpo de preto e os lábios de vermelho, e se vestem com roupas de baianas, exceto um brincante que é a personificação do preto velho em meio ao círculo da batucada. Essas imagens encenadas se intercalam com os depoimentos do representante de matriz africana da região de Quebrangulo, com dançantes, um professor e alguns participantes do folguedo. O folguedo traz estranhamento para quem não o conhece. Ressaltamos que não são fantasias de nêga maluca. Quebrangulo foi parte que configurou o Quilombo dos Palmares, por isso suas tradições ainda estão vivas na longa duração assim como na pele, no rosto dos participantes.

O Ebanista da Beira Mar (dir. Celso Brandão)

O Ebanista da Beira Mar nos entorpece pela bela fotografia em escala de cinza e as paisagens do litoral norte de Maceió. O documentário cria uma névoa de abstração e melancolia da praia chuvosa e fria. Através de planos abertos (planos gerais) observamos as formas orgânicas das cadeiras na água, as ondas e o silêncio são a essência desse curta-metragem. Celso Brandão continua produzindo seus filmes com a presença das águas, ou seja, seu cinema espelha “a anfiabilidade na cultura alagoana” nos dizeres do mestre Dirceu Lindoso.

A Barca (dir. Nilton Resende)

O curta-metragem é uma adaptação do conto de Lygia Fagundes Telles, Natal Na Barca. A ficção transpõe o silêncio, o mistério e as luzes na tela. O silêncio que parece um agouro, as águas calmas e sombrias. O filme tem o destaque pelos diálogos bem elaborados e as atuações das atrizes. Em meio a um contexto de desesperança e incredulidade é um sopro de que a bonança está por vir.

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