COBERTURA | IX Mostra Sururu de Cinema Alagoano – 3º dia

Texto: Janderson Felipe. Revisão: Larissa Lisboa.

Um marco dessa edição da Mostra Sururu é a quantidade de realizadores que estão pela primeira vez participando da mostra e como isso faz chegar novas assimilações e compreensões sobre pessoas que já foram retratadas no cinema. Como Natasha Wonderfull em Entre a Rua e o Palco, ou sobre a descoberta amorosa e sexual na adolescência com No Outro Dia, sobre o estilo de cinema que se propõe a fazer em Alagoas com Retaliação, e principalmente a cidade, numa escolha da curadoria de repensar o lugar desse sururu na cinematografia e imaginário da cidade com Saneamento Trágico. Mas entre tantos nomes novos o que também se destaca é um nome já marcante para o cinema alagoano, Celso Brandão com Chau do Pife demonstra que mesmo com mais de 40 anos de carreira ainda tem muito a dizer com seu cinema.

Retaliação (Dir. João Herberth)

É dos thrillers a lá David Fincher que as inspirações de Herberth parecem ter saído para a feitura de seu filme de estreia, o importante ao se fazer filmes desse gênero e que buscam ter a trama tão intrincada é que se deve entrar de cabeça no gênero, isso não parece faltar em a Retaliação, onde existe um esforço para dar vazão a todo a paixão a esse cinema de gênero, que flerta com o noir, a femme fatale, a maquinação da maquinação, a grande virada, todas as engrenagens estão ali. A questão quanto a esses filmes que assim como Leve A’mar e A Última Carta, tem em conjunto é o fato de abraçarem os seus gêneros, mas ficarem enclausurados na gramática de suas referências (que estão a alguns dólares de distância), enquanto poderia criar suas próprias referências dentro de suas possibilidades.

Chau do Pife (Dir. Celso Brandão)

São mais de 50 filmes na carreira de Celso Brandão, e mesmo assim depois de tamanha produção Celso tem muito a dizer, ao fazer um filme onde escolhe Chau do Pife para retratar, já não é mais apenas aquele cineasta que está indo atrás dos folclores, feiras, vegetações, águas e terras de Alagoas, é também uma grande personalidade da cultura alagoana que está retratando outra tão grande quanto. Chau do Pife é levado a posição de gênio da música de pife que é, onde transita entre a orquestra sinfônica no Teatro Deodoro até o forró num bar da periferia da cidade. A imagem de artista popular é eternizada como se Chau fosse um mago onde através do instrumento de sopro nos hipnotiza devido a tamanha energia empregada a cada plano por Celso Brandão, que continua a fazer história no cinema alagoano ao conseguir juntar Chau do Pife e Nelson da Rabeca tocando em uma igreja, é praticamente uma cena de santíssima trindade da cultura alagoano, onde Chau e Nelson tocam enquanto Celso Brandão registra.

No outro dia (Dir. Ester Lima e Vanessa Geovana)

Fruto da mesma oficina de Coração Sem Freio, exibido na noite anterior, a rebeldia e desobediência tomam outra chave em No Outro Dia, a busca é criar o drama adolescente que precisa lidar com as descobertas da sexualidade e seus conflitos com a moral familiar e seus conflitos internos. Dentro da narrativa onde Gabriel está ansioso para encontrar Rafael a fotografia azulada bem elaborada e montagem cadenciada ajudam a apresentar o universo daqueles jovens e o psicológico de Gabriel. A grande marca de No Outro Dia é a verdade emprestada por seus atores, porém a crença sobre o drama de Gabriel é prejudicada devido ao terço final acelerado em suas resoluções.

Entre a Rua e o Palco (Dir. Dayvson de Oliveira, José Esmerino, Maykson Douglas e Thalis Firmino)

O fazer do cinema universitário esbarra numa série de dificuldades, uma delas é a limitação de material técnico, muitos desses alunos não possuem, o que fica perceptível no curta alagoano, na captação de som e imagem prejudicadas, mas é também do processo do fazer de quem produz se apropriando das dificuldades.

A história de Natasha Wonderfull, já foi contada no cinema alagoano em Wonderfull – meu eu mim (Dir. Dario Jr.), só que agora além de a vermos dividindo a tela com Cindy Bellucci, vemos mais a Natasha militante do que a Natasha artista, se colocando como liderança política da causa de pessoas trans que estão em busca de empregos. O filme toma uma postura a partir de sua montagem paralela das narrativas de Natasha e Cindy, as colocando em posição de igual legitimidade, onde Natasha assume a postura de luta por emprego para fugir da prostituição enquanto Cindy ainda reconhece a prostituição quanto um lugar de necessidade para sua sobrevivência, o filme apresenta um olhar único ao não julgar essas personagens.

Saneamento Trágico (Dir. Zazo)

É do imaginário maceioense a cidade ser conhecida como paraíso das águas com suas praias e lagoas, onde o cinema tem participação para a criação desse imaginário, por historicamente preencher as telas com as figuras romantizadas do pescador ou do catador de sururu. Saneamento Trágico faz uma cisão com esse imaginário, trazendo a discussão o descaso que os moradores dos bairros da Levada e Brejal sofrem pelas forças das águas e o abandono do poder público, tendo a função de revelar aquilo que o governo e a mídia não falam, causando comoção ao acentuar que o esgoto jogado nas praias de Maceió não são realmente tratados. Surpreendendo pelo tamanho apuro de pesquisa, principalmente pela dificuldade de recursos, a preocupação com a condição dos moradores e os danos ao meio ambiente, num momento político no onde os acessos a direitos básicos estão sendo retirados, com inclusive ameaças recentes pelo plano de governo eleito de fechamento ao Ministério do Meio Ambiente, há de se reconhecer o mérito do filme ao entrar de cabeça nessas questões e defende-las com tamanho esforço.

Saneamento Trágico é um filme de tese, para isso utiliza estruturas clássicas do cinema documental, como a voz over e falas de especialistas e autoridades de cargos públicos com um volume de informações e dados, onde na tela não existe respiro para aqueles que são os mais atingidos pelo saneamento trágico.

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