Cobertura: Maputo Nakuzandza (dir. Ariadine Zampaulo)

Texto: Leonardo A. Amorim. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Maputo Nakuzandza tenta capturar a pluralidade da cidade, Maputo, através de uma gama de personagens e abordagens. Se a trama é rarefeita, com um turista explorando a cidade, uma noiva fugitiva e o resto das personagens perdidas em seus cotidianos, o que interessa no filme são as imagens dos espaços, as sensações possíveis, a dilatação do tempo, momentos. O filme de Ariadine Zampaulo está no seu melhor quando os procedimentos se fazem suficientemente interessantes por si só. O risco e a abertura para essa pluralidade é o que nos mantém na pequena jornada nesse dia em Moçambique.

Começamos o filme com um grupo de homens bêbados desejando uma mulher debilitada no banco de trás de um carro. Fazem comentários falando de seu corpo, e de como gostaria de ficar com ela, até que vão embora e um casal se aproxima, eles julgam as roupas que ela veste e pressupõem coisas, até que uma terceira mulher chega e a acolhe. Somos introduzidos às personagens de maneiras simples, geralmente com uma ação específica para cada uma delas. Temos uma noiva deixando a igreja, um homem correndo, uma mulher em um transporte público, uma senhora acordando no início do dia. Após isso, as locutoras da rádio que compartilham o mesmo nome do filme interconectam as personagens que acompanhamos, alternando entre músicas, um programa interativo onde se podem mandar mensagens românticas e um sarau. Há uma ironia em um programa de rádio com momentos interativos de mensagens de amor noticiar tanto uma mulher que matou o marido quanto o desaparecimento da noiva que, devido a sua escala e poder simbólico, se torna a trama mais forte e base para todo o filme. De certa forma uma narrativa de emancipação, que aliada com a primeira cena fecha o tema de questões de gênero que é dos mais palpáveis no filme.

Os personagens são mais dispositivos para entrar e utilizar qualquer registro ao seu bel prazer, já que o mosaico formado é também de linguagens, que aí perpassam performance, documentário e ficção em diferentes gradações e misturas. Há a performance do corredor que está em constante movimento sempre que aparece, e há também as personagens com tecidos brancos e vermelhos. Sobre a mistura, o turista que explora a cidade de Maputo, por exemplo, poderia se fazer como um despejo de informações mais direto, mas não se faz de forma pura: a palestra sobre autores da literatura moçambicana se vê cortada por uma intervenção poética em forma de narração. O mesmo acontece com quaisquer informações mais concretas, como a maneira que as estatísticas de suicídio são interrompidas pelo drama da noiva foragida.

O filme privilegia planos mais gerais em que a cidade se faz presente, em que o local e os movimentos presentes nela se evidenciam. A câmera se aproxima em momentos de ficção mais intensos, em que há interações entre personagens, conversas geralmente com alguma carga melodramática, como a mulher que busca um emprego e a mulher que pega o marido no flagra a traindo. As crises claras em que elas se encontram permitem que esses momentos singulares tenham uma potência isolada mais direta, e infelizmente também destaca aqueles momentos em que a falta de conexão e relação com o que acontece em tela nos deixa soltos, desconectados das imagens. 

Não é a toa que é a rádio que conecta tudo, porque a principal potência do filme e do seu discurso está no som, na voz. Em perceber na voz do povo moçambicano algo que atravessa as gerações e os conecta, e ao mesmo tempo, reverbera na cidade. As personagens perambulando pela cidade o fazem também para que o espaço seja ouvido. “E toda vez que o vento soprar em seu ouvido não será apenas o vento, mas eu dizendo que te amo.” 

Ao encerrar o dia fica a sensação que tudo se repetirá. Que o homem continuará correndo, que mais noivas correrão de seus maridos. Alguns viajando pela cidade a caminho do trabalho, de uma festa, existindo. O compromisso com essa pluralidade de aberturas, caminhos, rende alguns belos momentos e outros tediosos, mas é admirável como mantém por toda sua duração esse interesse pelo circular.

Acompanhe a 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes on-line pelo site.

Be the first to comment

Leave a Reply

Seu e-mail não será divulgado


*