Comentários Sobre Alguns Filmes da Sururu 2020

Texto: Wibsson Ribeiro. Revisão: Leonardo Amaral

Ainda te Amo Demais (dir. Flávia Correia)

É melancólico e faz parecer como se a cena do reggae fosse algo terminado, dado por encerrado. O evangelismo neopentecostal e a falta de oportunidades parecem comer por dentro as possibilidades do reggae alagoano. Estranho que um dos ritmos musicais mais carregados de pulsão de vida seja observado com lentes tão tristes, mas ao mesmo tempo o filme funciona como um grito abafado contra a opressão e a miséria alagoana que corroem as formas e expressões populares. Os artistas abandonam suas carreiras, fazem outras coisas. Claro que o filme não é só isso. Principalmente quando olha para as décadas passadas, o filme consegue registrar a força da energia das discotecas, o apreço pelas aparelhagens e danças, a identidade própria do reggae feito em Alagoas, os ritmos e signos da diáspora. É bonito, mas se organiza em uma dialética que pode parecer imperceptível: há violência e há desejo convivendo em quase todo o filme. A vontade de criar, de dançar e se divertir, e os limites, invisibilidades e estigmas agindo como vírus, barreiras.

Círculos (dir. Lucas Litrento)

Litrento tem um poder de concentração enorme. Não é exatamente síntese, mas o poder de fazer as coisas reverberarem, se propagarem. Um círculo perfeito, uma esfera. Nocauteia o espectador.

Jegada (dir. Celso Brandão)

Celso mirou no registro da desaparição de uma forma, uma criatura: o jegue, substituído pelas motocicletas como meio de locomoção sertanejo. De certa forma ele é este documento que o diretor pretendia, um olhar sobre as transformações na cultura de uma região, uma modificação na natureza do Sertão, nas relações dos seres no ambiente em que habitam. Mas o algo mais desse pequeno filme é a dicção dos sertanejos, a fala de homens que tiveram e ainda possuem uma relação afetiva com o animal.

Encanto desencanto encanto (dir. Ulisses Arthur)

Uma combinação entre influências do cinema de Taiwan e algo como a estética brega de porta retratos que encontramos na casa de nossas tias e avós suburbanas; uma energia similar aos stories daquela pessoa que quer muito virar digital influencer, aquele meme feito para funcionar com os amigos, ao mesmo tempo que é super sério no que se propõe, até emocionante. Já é o terceiro ou quarto filme de Ulisses em que sinto a ideia da fama e do estrelato como uma fuga do mundo do trabalho e da disciplina, uma utopia em si própria, a arte como uma promessa de redenção. É muito sensível, mostra através de imagens que os sonhos que as pessoas carregam são sonhados com a linguagem que elas usam em seu cotidiano. Uma lição óbvia, que poderia ser banal, mas que aqui é forma, é poética.

Marolas (dir. Celso Brandão)

Um exercício sobre morar no cosmos. Um regionalismo estranho, que despersonaliza o próprio quintal. Lagostas, caranguejos e peixes parecem seres de outro planeta. O vento, o mar, a água da lagoa, a lama, o barro, tudo parece apontar para o registro de um lugar distante, muito longe daqui. Todo o filme é construído como um ensaio de ficção científica, a partir da desconstrução do que seria tipicamente regionalista. Da janela de sua casa, Celso Brandão — com uma máscara que o ajuda a sair de si e o faz parecer também um extraterrestre, uma criatura mágica — vê outro mundo onde poderia não encontrar nada. Uma demonstração da força da imaginação. Até os homens cortando cocos parecem remanescentes de uma civilização perdida, ou testemunhas de uma comunidade que acaba de nascer. Imagens que mostram que nenhum mundo vai acabar. Antídoto contra o niilismo. A vida continua em cada imagem, pulsando em um ritmo inquietante.

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