Texto: Eudes Ferreira. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica
O esmiúço de uma grande crônica
Não tenho muito o que falar sobre Angelita mas vale a pena mencionar o curta como um chamativo para amantes de um tema comum no nosso Nordeste: o catolicismo popular. Exibido pela primeira vez na VII Mostra Sururu de Cinema Alagoano, Angelita, o filme dirigido por Jéssica Patrícia da Conceição e Mare Gomes segue um ritmo leve.
Angelita é uma senhorinha que vive sozinha e desde muito nova se sentiu encantada pela “cura através da fé”. Não a fé de quem recorre aos seus serviços, mas a dela própria. Angelita acredita que, de fato, este é seu dom, fazendo seu trabalho inteiramente grátis numa espécie de comunhão e intermediação com Deus e os santos.
O documentário divide-se em duas partes: na primeira Angelita descreve seu dia-a-dia, fazendo café, na penteadeira, na máquina de costura – e justifica seu trabalho: “pra curar tem que ter uma luz acesa e o ramo”. Já a segunda revela como funciona uma sessão de cura, que pode envolver problemas físicos – dores nas pernas, dor de cabeça – ou metafísicos – pessoas “carregadas” – sempre alquebrados através de longas rezas, súplicas e intervenções.
A fotografia limpa, encarregada por Paulo André Silver, Jadir Pereira e Ícaro Drasan – uma das mais belas dentre os filmes da Mostra – cai perfeitamente bem com as cores vivas e diversificadas na casa da senhorinha, desde os mosaicos na penteadeira, as paredes, os tapetes, as cortinas até as plantas e imagens de santos. No escuro essas cores se tornam menos acentuadas, mas a presença de cores quentes e frias na última cena nos proporciona um belo show de técnica fotográfica. A direção se esforça em fazer um trabalho competente, baseando em planos americanos ou planos fechados para exibir uma Angelita mais íntima e expressiva em suas tarefas cotidianas e “profissionais”, ou para explorar partes mínimas da casa ou das sessões, muitas vezes focando o primeiro plano e desfocando o segundo.
No entanto, acredito que o curta não tenha cumprido com totalidade seu objetivo e ficamos mais curiosos em destrinchar a imagem de Angelita, mesmo que tudo seja justificado em frases curtas, como quando relata as origens de seu dom num diálogo muito rápido. O filme poderia explorar melhor sua própria protagonista, preferindo que a maior parte das palavras ditas por Angelita fossem rezas longas do que algo que pudesse servir para lhe embasar sócio-historicamente: um histórico de suas curas, relatos de terceiros, de sua própria vida enquanto curandeira, etc. talvez fossem detalhes que a própria não quisesse contar, mas seja isso verdade ou não, o curta se desvia e chega ao final sem uma amarração.
A curta duração de Angelita pode impeli-lo a assistir sem preocupações. Diria que vale a pena pelas técnicas utilizadas. E quem sabe esse primeiro projeto não instigue a equipe a produzir algo mais sólido, seja sobre a figura simpática de nossa heroína, seja sobre outros temas referentes a religião popular, de modo a montar uma espécie de fascículo.
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