Crítica: Bem no Fundo das Retinas (dir. Mik Moreira)

Texto: Nathaly Correia. Revisão: Leonardo Amaral

Se podes ver, repara

Mik Moreira nos entrega um documentário em preto e branco de quem já viu tudo e hoje não enxerga a luz – logo ela, que é justamente o que faz existir a fotografia. É com base nisso que a diretora conta a história de seu avô, Laércio Luís de Amorim, fotógrafo alagoano que hoje é cego, mas tem sua memória viva sobre os desafios e alegrias da profissão. Essa tônica da história junto às passagens do tempo, ilustrada com o pequeno relógio que derruba, através de sua ação, a imagem que tínhamos, retrata como a memória funciona em suas intercorrências – o silêncio, a falha na narração quando já não mais aguenta falar – as imagens surgem porque são o que restaram, já que as palavras nunca foram suficientes nem deram conta de tudo.

Mik sobrepõe as memórias em volta da fotografia de maneira a encontrar um ponto de convergência entre seu avô e sua profissão (no caso, de ambos), demonstrando que o que os une é maior e atravessa tempos e mudanças. No poema narrado, a figura de uma pessoa cansada apesar do amor, exausta apesar da beleza e que ainda tenta digerir as coisas a seu modo demonstram que não é fácil ir tão fundo. Não é fácil estar, hoje, responsável em tudo pelo que se ama e se quer eternizar.

Com uma montagem que nos leva a passear não só pelas histórias pessoais, como também a própria história documentada da cidade que Laércio viveu, registrou e lembra, o documentário é forte e marca também como lidamos com a vida de artistas que já não mais conseguem fazer o que sempre se propuseram. A dor, as frustrações, a melancolia de pensar “ah, se não fosse isso e aquilo” hoje, quando já esteve em situações melhores consigo mesmo, são elementos que a diretora externa numa fotografia nítida, que nos toca. Nesse meio tempo, o momento passa e, com ele, vêm as marcas, a necessidade de um cuidado externo, a solidão. Não que seja o caso, aqui a parceria conjugal está eternizada no sépia que nunca perde o brilho. Mas a solidão inerente ao ser humano é a dele consigo próprio – até o fim de seus dias sobre a terra.

Essa dor e, ao mesmo tempo, saudosismo de quem sabe a importância do que foi e fez, são apresentados de maneira “não piegas” ao longo dos quase 14 minutos da obra. Com rápidas inserções do cotidiano, do prosaico que já parece ser um desafio, o documentário mostra nas sutilezas que força e a fragilidade andam juntos. Bem no Fundo das Retinas nos mostra como ainda é possível enxergar através da arte, mesmo quando elas foram destruídas, e o globo ocular não mais nos serve.

1 Comentário em Crítica: Bem no Fundo das Retinas (dir. Mik Moreira)

  1. [* O plugin Shield Security marcou este comentário como “Trash”. Motivo: Teste Bot Falhado (caixa de seleção) *]
    Muito lindo, parabéns pelo texto.

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