Crítica: Chau do Pife (dir. Celso Brandão)

Texto: Chico Torres. Revisão: Janderson Felipe

SOPRO DE VIDA

Chau do Pife e Nelson da Rabeca improvisam em uma igreja vazia de Marechal Deodoro. Apenas as imagens testemunham o encontro desses dois mestres da cultura alagoana, como se eles também fossem santos que dedicam sua música a uma instância transcendental. Elejo essa a mais bela imagem da IX Mostra Sururu de Cinema Alagoano. Foi o ponto mais alto de contemplação, de respeito ao humano, de entrega à imagem, ao som, ao cinema.

Chau é um homem sábio. Suas andanças o fizeram compreender que a música que nele habitava precisava extrapolar as feiras e as bandas de rua. E assim ele fez. Sua arte está muito bem com a tradição do forró, do coco, daquilo que é genuinamente popular, mas passeia sem nenhum receio pela modernidade do jazz. E, indo mais longe, Chau chegou ao clássico, fazendo do seu pife, espécie de flauta transversal de feitura e estrutura simples, um poderoso instrumento, capaz de deglutir qualquer música do mundo. Vê-lo no teatro, a acompanhar uma orquestra com a desenvoltura de um genuíno solista, causa um tipo de prazer que só a música é capaz de produzir.

O documentário de Celso Brandão, diretor especialista em cultura alagoana e seus personagens, capta com maestria a essência do homem simples que é Chau. E o simples que falo aqui significa não algo superficial, mas uma precisão no ser e no fazer. A simplicidade de Chau é como a simplicidade de João Gilberto, Jorge Ben ou Bob Dylan, é a concentração de vários elementos que surgem de modo elementar. Essa síntese só é possível quando o olhar do poeta está atento a tudo, quando ele deixa sua sensibilidade exposta aos estímulos que sempre estão sugerindo ideias e sons. É por isso que Chau teve uma de suas epifanias dentro de um coletivo, em um momento aparentemente banal. No meio da multidão, ele se encontrou dentro de sua inspiração, do seu desejo de criar. Puxou seu pife e simplesmente tocou, sem perceber as pessoas e o ruído do mundo exterior.

A direção de Celso Brandão também é sábia por valorizar, sobretudo, a música de Chau. Não que suas falas não sejam importantes. Pelo contrário, todos os seus comentários, seja sobre sua biografia ou visão de mundo, demonstram o quanto Chau é um gigante. Mas o elemento mais poderoso do documentário é a música, na figura enorme de Chau, de seu sopro límpido, de sua habilidade de entrar em qualquer universo sonoro sem nenhum tipo de constrangimento. Chau do Pife (dir. Celso Brandão) ganhou o prêmio de melhor filme da IX Mostra Sururu, um prêmio merecido. Sua capacidade de transmitir a verdade do artista, de expor seu interior através de seu ofício, de nos conduzir através das melodias que integram passado e presente, tudo isso destacou “Chau do Pife” nesta edição da Mostra. o sopro de vida de Chau nos alimenta de arte e nos faz crer que a força do povo pode estar em todos os lugares.

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