Crítica: Encanto Desencanto Encanto

Texto: Flaminhia Gomes da Silva. Revisão: Leonardo Amaral

O OTIMISMO MELANCÓLICO DE “ENCANTO DESENCANTO ENCANTO”

Em Encanto Desencanto Encanto a câmera é praticamente estática. Apenas os personagens se movem. A sensação de que o tempo parou me foi inevitável, mas é só isso: uma sensação. A mesma sensação que a pandemia nos trouxe. A realidade é que o tempo continuou correndo, no filme e na vida. Só que silencioso, à espreita, observando seus reflexos, observando o mofo dos vestidos. O tempo corria, mas não era sentido. Hoje ele corre, mas sentimos seus passos largos como se fosse nossas próprias pernas.

Além do aspecto temporal pandêmico, temos o aspecto da limpeza, tão recomendada neste período, explorada ao vermos os personagens sempre limpando. O chão, as vitrines, os sapatos, os vestidos… A imposição do rigor da limpeza faz com que o vidro seja limpo até refletir a imagem dos personagens. A pandemia se mostra espelho. Nos reflete e reflete em nós. Assim como as vitrines da loja.

Uma das poucas cenas que não é invadida pela limpeza é o alento da ligação. “Até me animei um pouquinho com sua ligação”. Aquela ligação que todos nós experimentamos ao longo do ano ao compartilharmos nossas angústias com quem nos é estimado. Aquele contato com o mundo exterior, aquela socialização que nos resta e que resiste à distância. No filme, a ligação, que assume ares de cotidiano, de trivial, mas é apenas uma forma que guarda nas entrelinhas de seu conteúdo o peso e a importância do escape.

A cena dos pés da garota com a barra do vestido azul e as miçangas caindo também é uma das exceções às cenas de limpeza. Parece uma cinderela desencantada que resiste ao desencanto das circunstâncias por acreditar que logo aquelas miçangas irão enfeitar outros vestidos nas festas, para além dos cabides da loja, porque o desuso não mais será necessário.

Quando adentramos na trilha sonora, a sanfona chama a atenção desde o início. O som me despertou uma melancolia otimista. Parece paradoxal, mas na verdade, é preciso entender que nem sempre as coisas são o que são. O otimismo pode ser sim sentido melancolicamente, por vezes experimento esse sentimento (pelo menos é assim que o chamo). Quando ouvi a sanfona, lembrei que esse ano não tivemos São João. Como São João é o meu carnaval, fiquei desejando que houvesse uma reviravolta e a sanfona do filme virasse um forró. Fiquei desejando um carnaval de sanfona.

Outra cena que encaro como melancólica é a da menina desconsolada por estar longe do seu amor, sente que no final de tudo “Essa tempestade vai passar E eu vou estar pronta para nossa história!!!”. Só que dessa vez sinto que essa melancolia foi carregada de um humor piegas, o que traz muita leveza ao filme. Como humor sutil também temos a cena do inalador de elefante amarelo, que também corrobora essa leveza. Um filme que, despretensiosamente, aquece como quando a gente chega em casa molhado de chuva e pega de imediato uma toalha pra se enxugar. Encanto Desencanto Encanto é essa toalha.

1 Comentário em Crítica: Encanto Desencanto Encanto

  1. [* O plugin Shield Security marcou este comentário como “Trash”. Motivo: Teste Bot Falhado (caixa de seleção) *]
    Muito lindo. Parabéns.

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