Crítica: Metrópole do Futuro (direção coletiva)

Texto: Eudes Ferreira. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Um discurso interessante sobre progresso e tradição

Em 2010, a revista Veja classificou Arapiraca como “metrópole do futuro”, ao colocar o município entre as 22 cidades de médio porte com crescimento acima da média nacional. Seis anos depois, a alcunha foi escolhida para compor o título deste curta metragem de direção coletiva.

Metrópole do Futuro nos leva à realidade de duas pessoas imersas na grande protagonista da história, a cidade de Arapiraca. As narrativas, apesar de distintas, convergem por encontrar motivações no progresso da cidade, o qual supre – ou tenta suprir – suas necessidades. Tal produção se baseia, de modo geral, no grande varejo e na oportunidade de educação para os estudantes universitários.

Nesse sentido o filme cumpre o que propõe. A grandiosidade de sua esfera discursiva e a possibilidade de debates acerca desse progresso e da visão de seus personagens é algo a ser analisado por quem o assiste.

Lília Ferreira, que vivia num sítio em Girau do Ponciano, precisou morar na cidade em benefício de sua educação. Estudante universitária do curso de História, ela recorda sua vida durante uma visita a avó, que ainda reside no sítio, ambiente que destoa do atual. Antônio Honório, youtuber, enxerga um progresso através da construção do “Garden Shopping”, então único shopping do município, que supre suas necessidades de consumo intimamente ligadas ao seu canal – sobre perfumes – e outras precisões – roupas, filmes, alimentação, etc. Ambos os jovens veem na internet uma forma de expandir suas relações e suprir outras necessidades, sejam voltadas ao estudo de Lília ou ao entretenimento de Antônio.

As duas visitas de Lília foram feitas em ambientes onde o “progresso” ainda não chegou. As duas mulheres com quem falou são mais velhas e relatam necessidades distintas que tinham quando mais jovens. Curioso notar que em suas juventudes a cidade já era tida como a mais moderna da região; não estamos falando de um discurso que surgiu agora, mas que perdura por décadas.

O filme intercala os diálogos dos jovens, que ressaltam, quase que numa unanimidade, a precariedade da cidade em determinados pontos, tais como a periferia, com imagens que comprovem a intercalação entre “progresso” e “retrocesso”.

Acredito que os pontos mais fortes do filme sejam as declarações dos dois jovens, que podem causar um certo choque devido a seu aparente radicalismo. Lília, inclusive, é quem ressalta Arapiraca como a metrópole do futuro, onde as regiões vizinhas são, por comparação, “interioranas”, a cena em que relata tal afirmativa se passa num parque de diversões, típico de cidades do interior. Ou então quando Antônio compara o shopping a uma “segunda casa”, posteriormente criando um conflito com as personagens mais velhas retratadas no filme, que mesmo tendo enxergado esse progresso em seu próprio tempo, viam outras prioridades frente ao consumo – educação, por exemplo.

O uso de imagens em conjunto com as palavras por vezes revela o oposto do que é ouvido, provocando os espectadores e, como cantaria o saudoso Júpiter Maçã, “abrindo as portas da percepção”. Por exemplo, enquanto vemos condomínios em construção, o som das obras interpola com o anúncio de apartamentos prontos para morar, propagado por bicicleta que percorre as ruas do bairro, criando uma relação contrastante entre o que se vê e o que se ouve.

Elementos visuais, inclusive, são usados com inteligência frente a proposta do filme. A estação de trem revitalizada, por exemplo, serve de forma análoga como ponte entre o “novo” (a cidade) e o “velho” (o interior).

O documentário explora as concepções de seus personagens à medida em que os desenvolve sob a imagética do filme. Ambos são a favor do progresso da cidade mas se opõem à destruição do Lago da Perucaba, mesmo sabendo que as condições de seus moradores são infinitamente menores que as suas. O lugar em que se mantinha certa tradição, agora é vítima do mesmo progresso que não os alcançou. E o poder público é tratado como o grande culpado por esse abandono e descaso.

Uma das cenas mais metafóricas, de rápida passagem no curta, recai justamente sobre o depoimento de Honório. Nota-se um restaurante em segundo plano, na praça de alimentação do shopping, cujo slogan traz a chamada “comida típica da fazenda”; ora, se por um lado temos ambientes ao redor do município ainda ruralizados, parte desse mesmo ambiente se transfigura agora em cenário totalmente diferente. Genuinidade acoplada ou mera figuração?

Metrópole do Futuro é um documentário literal sobre o progresso frente as tradições. Os dois adolescentes representam pontos distintos e vitais na vida de qualquer jovem a ser analisado de forma semelhante – educação e lazer. A escolha de jovens frente aos mais velhos indica um respeito comedido às tradições à medida em que isso não afete o progresso, convergentes diante de valores divergentes. Recomendo o filme pelo seu teor informativo. Só a revelação da revista Veja não basta, é preciso saber o que a juventude tem a dizer. Não me arrisco a defini-los como porta-vozes de outros jovens, mas que de alguma forma seus depoimentos têm força por terem o que dizer frente a essa relação.

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