Crítica: Nas Nuvens (dir. Victor Farias)

Texto: Diogo Souza. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

A arte que toca as nuvens

Em dezembro de 2015, ao ler o feed de notícias do Facebook em uma manhã tediosa, vi a notícia de que Maceió estava prestes a receber um grupo panamenho para uma apresentação artística na Praça Dois Leões, no bairro de Jaraguá. Entre a palavra, a música, a performance, o circo e o teatro, o espetáculo Pisando nas nuvens chamava a atenção não somente por dialogar vários discursos, como também pelo fato de ser composto por profissionais de nacionalidades diferentes, unindo culturas e histórias através da arte. Agora, em 2016, um ano depois de assistir a essa apresentação, revivo, através da tela, a beleza da atividade circense sob o olhar do filme Nas nuvens (2016), de Victor Farias, que faz um passeio pelos bastidores da produção do espetáculo da La Tribu Performance em Maceió.

No início do documentário, Lisete Medeiros narra a sua história com a arte circense, mostrando que dentro do Pisando nas nuvens havia uma presença alagoana. Logo no primeiro segundo do filme, escutamos a voz de nossa conterrânea. Aprecio bastante essa forma de iniciar um filme, pois é como se a tela não desse tempo para o observador pensar no que está por vir e nos fisga de imediato. Esse efeito fez com eu imergisse rapidamente na tela.

Em seguida, somos levados para o retorno de Lisete aos ares maceioenses, fato que insere um outro foco na narrativa, pois a história pessoal se desdobra em outro galho: contar a vida e a construção do Pisando nas nuvens em Maceió. Assim, a proposta de Victor Farias vai além de registrar os bastidores desse evento. Na cena dos ensaios do espetáculo na sede do Coletivo Afro-Caeté, por exemplo, vemos que a obra não estava pronta, pois cada localidade pede uma adaptação, uma vez que realizar uma intervenção urbana é moldar-se ao lugar em que ela será realizada. Dessa maneira, o espectador vê como a rua, a praça, interveem nos processos criativo.

Vale destacar a nova visão que o documentário imprimiu em mim ao olhar para Edwin Borden, o diretor venezuelano dessa atividade circense. Fiquei amedrontado com a intensidade das expressões faciais desse ator. O rock, o vestuário escuro, as sombras pretas nos olhos e o rosto sempre sério fizeram com que eu imaginasse um Edwin frio e monocromático. Talvez essa tenha sido a proposta. Ao vê-lo sorrindo para as crianças na Vila dos Pescadores, refiz a imagem que tinha criado ano passado. Esse processo foi permitido por conta de o filme seguir um caminho pós-espetáculo, apresentando outras atividades que a trupe exerceu em Maceió.

Os momentos em que Lisete narra as suas vitórias nos editais no Panamá poderiam soar dispensáveis, mas não os são pelo fato de haver uma função: perceber o quanto a artista alagoana está envolta pela leitura, pelo trabalho social, e como essas influências reverberam em seu “pisar nas nuvens”. Os instantes em que Lisete menciona Maceió, o seu reencontro e o seu desejo em fazer mais por sua terra natal são sinceros e emocionantes. Como professor de Literatura e palhaço de hospital, senti-me representado e orgulhoso ao conhecer um pouco mais do trabalho de Lisete. Ver esse curta-metragem foi uma espécie de continuidade da leitura do espetáculo, dos efeitos de sentidos que foram produzidos naquela noite de dezembro de 2015. Em outras palavras, a tela não apenas me fez rememorar, como também, de alguma forma, estender aquele dia que toquei nas nuvens através do observar dos corpos dessa “tribu”. O título do filme poderia ser homônimo à obra da qual ele se baseia, porém, a retirado do verbo “pisando” parece-me uma boa escolha, visto que indica que estamos diante em outro universo, medido pelo olhar da câmera.

Colocar o espectador em contato com a história da palhaça alagoana dá um ponto de vista duplo ao filme, que se intercalam bem com a premissa geral: registrar a chegada do Pisando nas nuvens no Brasil ao mesmo tempo em que explora como subtrama um pouco da vida de Lisete. A alternância entre preparação e execução do espetáculo pode parecer uma escolha bastante didática. Todavia, quando pensamos nas diferenças entre o espaço de preparação e o espaço de realização da intervenção urbana, notamos que esse caminho nos mostra uma variedade de olhar sobre a constituição de uma performance tão poética. Em algumas cenas, possivelmente, a delicadeza das expressões gestuais poderiam ter sido captadas através de uma câmera mais próxima, ou então um silêncio mais presente. Sob esse viés, o curta-metragem poderia dar a quem viu o espetáculo um olhar mais distinto em comparação à primeira experiência. Por fim, após a sessão, guardei a sensação de que continuei tocando “nas nuvens”, pois o cinema me devolveu uma parte da magia daquela noite.

Be the first to comment

Leave a Reply

Seu e-mail não será divulgado


*