Crítica: Paiol: Arte Independente em Teotônio Vilela (dir. Robson Cavalcante e Claudemir Silva)

Texto: Diogo Souza. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

O leitor e o espectador “na ponta da lança”

Sou espectador da Mostra Sururu de Cinema Alagoano desde 2013, fato que me permite comparar um pouco o percurso de leitura da realidade alagoana na tela deste festival. Logo, ver produções do audiovisual saindo do eixo urbano de capital e indo para o interior do estado, captando histórias e depoimentos do que acontece nas adjacências de Maceió, é um exercício prazeroso, em que vejo a representatividade de nosso povo aumentar.

Foi assim que vi Paiol: Arte Independente em Teotônio Vilela (2016), de Robson Cavalcante e Claudemir Silva, documentário que faz uma incursão na história de um grupo de escritores do município de Teotônio Vilela. Como sou estudante e curioso das Letras, fiquei contente em ver figuras já conhecidas do meio literário alagoano sob o olhar da câmera. Percebi, rapidamente, que ao meu redor, algumas pessoas desconheciam os trabalhos desse grupo, que, além de produzir literatura, leva a poesia para fora da sala de aula, fazendo intervenções em ruas e praças.

Ser professor já é uma espécie de resistência, se levarmos em conta os fatores adversos ao exercício da profissão: falta de estrutura física nas escolas, salários defasados… Através das falas de Marlon Silva, notamos que as atividades feitas pelo seu grupo representam uma dupla de resistência: a de realizar um trabalho no tortuoso espaço escolar, tendo, como base dessa atividade, a arte. As consequências em acreditar no poder do discurso artístico se transformaram em seduções da literatura por alguns de seus alunos, que hoje intensificam a circulação da arte vilelense. A origem do nome do grupo, explicada pelo professor, condiz bastante com a proposta da arte independente e também da arte em geral: ser um lugar que abriga armas, mas não no sentido literal.

Um ponto que me incomodou em alguns momentos foi uma visão um tanto romantizada do fazer literário, como se ele independesse de incentivos financeiros e vontade política. Não é bem assim. A arte marginal, às vezes, pode ser feita através de poucos recursos, como o próprio grupo vilelense apresenta. Todavia, certos gêneros literários, como a literatura infantil na atualidade, repleta de ilustrações, depende diretamente do dinheiro para ser realizada, pois as suas edições exigem cores e papeis específicos. Logo, ao dependermos de editais públicos para poder produzir literatura, em alguns casos, dependemos, assim, de vontade política. Além disso, o cinema é uma prova de como a arte depende (mas não exclusivamente) do setor financeiro para existir.

O depoimento de Claudemir Calixto, na conjuntura do documentário, ganha uma importância especial, já que recupera momentos da trajetória do Paiol, ressaltando figuras importantes que, mesmo não estando na tela, surgem em matérias de jornais. Os versos em guardanapo, geralmente, são observados como uma forma de manifestação poética efêmera. Já no filme, essa imagem é reconfigurada quando vemos esse tipo de literatura conservada nos arquivos do grupo. Nas falas de Robson Cavalcante e Juliana Cardoso, percebemos como outras modalidades de expressão literária são necessárias para fazer circular a arte. O projeto do “traço em verso”, obra rica com belos desenhos, foi um recurso para dar mais visibilidade à produção do grupo, além de produzir outros sentidos que se justapuseram a materiais já escritos.

Outra passagem que me incomodou foi a correspondência entre palavra escrita e visualidade nas cenas de leitura de versos alagoanos: a imagem, em certos momentos de leitura, sublinha a materialidade que estava ali sendo lida. Penso que esse percurso simplifica um tanto a interpretação da relação entre papel e tela, fazendo com que o texto não verbal seja lido como um complemento direto do texto verbal. Dar voz a poesia na visualidade preto e branco foi uma escolha que não compreendi ainda. Se pensarmos na literatura como janela para um mundo que pode ter outras cores, o tom monocromático nos deixa inseridos nessa atmosfera de um “real” que não é desautomatizado quando se lê. No que diz respeito à captação e edição, em vários momentos a fala de Juliana foi prejudicada por sons externos, algo que dificultou um pouco ouvir a sua voz com clareza.

A arte cinematográfica tratando do discurso literário em Alagoas, para alguém que aprecia esses dois campos, é algo de muita satisfação. Os depoimentos finais do Paiol frisaram essa importância da interdiscursividade da construção literária quando os escritores mencionaram as suas influências no processo de escrita: a música e o cinema, em especial. Esse exercício de pensar a arte dentro da arte vai além de reflexões metalinguísticas, já que mostra como os variados campos do saber se relacionam e se complementam.

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