Crítica: A Barca (dir. Nilton Resende)

Texto: Mariana Lira. Revisão: Tatiana Magalhães

O mistério mora na barca

Pra onde vai a barca? Pra onde quer ir a personagem principal?

O curta A Barca, de Nilton Resende, abre uma perspectiva bastante curiosa e inquietante: a da subjetividade da personagem. O filme assim como o conto “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, do qual é uma adaptação mostra questões íntimas da personagem, significativas, naquele momento, para a narrativa, mais do que quaisquer outras que componham o sujeito. É essa perspectiva, psicológica e reflexiva, que permite à trama o teor enigmático e por vezes fantástico ou surrealista (não sei), que a mim despertou muito a atenção.

Enquanto assisti, tive a sensação de, em algumas vezes, estar vendo apenas a personagem principal, e em outras estar vendo as coisas pela visão dela. Um jogo de panoramas muito interessante e bem feito, a meu ver, que compõe o mistério-curioso do filme.

Vejo nessa personagem uma necessidade de exílio. Há nas suas expressões uma melancolia profunda, um vazio quase infinito. E ao mesmo tempo uma curiosidade, espécie de ansiedade pela viagem, pela chegada. Ela não demonstra isso, mas seus olhos não se desligam do caminho, das coisas no barco, dos outros viajantes, dos assuntos conversados. É perceptível o seu estado de atenção, a sua procura por respostas, e o seu pensamento pulsante a respeito de tudo ali, apesar de sua expressão ser um tanto apática e desesperançosa: é mesmo uma antítese muito inquietante.

O espectador adentra também nessa atmosfera vazia e curiosa, questionadora, desconhecida. As perguntas chegam a ele, mesmo que sejam umas diferentes das outras. E o filme não as responde, sendo muito fiel ao conto. A sensação é de que realmente não o devia fazer, o mistério não precisa ser desfeito. Afinal, não seria possível, já que ele se fundamenta na subjetividade da personagem; e a sensação de infinitude dela, das suas questões, sua visão, seria perdida se as perguntas despertadas fossem respondidas.

Chega-se no filme sem saber de onde para onde. Entra-se na barca da mesma forma. Conhece-se a personagem querendo saber isso, mas acaba-se chegando apenas à certeza de que é impossível saber qualquer uma dessas respostas, e de que também não é necessário sabê-lo. Resta a esperança das águas verdes e a continuação do caminho sobre elas.

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