Crítica: Ânsia (dir. Hélio Melo)

Texto: Maysa Santos. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Quantos questionamentos cabem em nossa mente?

Ânsia, curta-metragem de Hélio Melo, traz a inquietação da ansiedade na cabeça de um personagem que não se explica, pois não se faz necessário explicar. Por ser pautado pelas questões de sua mente, diante de um mundo cheio de informações e cobranças sociais, o curta já começa com aquela perturbação que é digna da obra que nos tira do lugar comum e nos posiciona como instrumento do processo de entendimento.

O filme começa (e assim continua) com o personagem sentado e olhando para o público de maneira estática e sem ação. Um minuto dessa cena no cinema já foi o suficiente para perceber o quanto a nossa geração, a da “informação rápida”, fica incomodada ao olhar pra tela e ver que nada está acontecendo ou vai acontecer. A ação é esperar o movimento do personagem, que acontece, ainda que no tempo dele.

Surge então o narrador, que me pareceu ser a voz de uma mente ansiosa por respostas, mas que nos acompanha por todos os devaneios daquele homem que se questiona sobre a existência do ser, da vida social e de uma ansiedade que não sara com o tempo sobre a vida. Ele se parece comigo. Parece ser da minha geração.

Não acredito mais que não sofremos com tudo que temos acesso e nos deixam confusos. A nossa geração é uma geração ansiosa. Ansiosa por repostas prontas. Elas não existem, mas os questionamentos tomam conta.

Na primeira cena, olhar para o lado abre o leque de movimento daquele ser ansioso. Ele se mostra presente. Faz questão de localizar o público na encenação. A quarta parede se quebra e o filme conversa diretamente com o público. A voz nos posiciona entre as ideias. Elas são inspiração dos pensamentos. Quando se materializam, se transformam na imagem do corpo. As ações a partir daqui me surpreenderam, pois pensei que teríamos uma conversa com aquele homem que sentado se questionava e nos questionava. Mas não, fomos convidados a mergulhar no campo das ideias dele. Ele se movimenta se toca e questiona suas ideias de vida. Ele quer ser alguém singular e não consegue. E se desespera.

Questiona as instituições, principalmente a igreja. Chora de desespero ao pensar que a religião pode guiar suas ideias. Vomita o caos interior, assim como o universo em que nasceu e também é movido pelo caos, admitindo que não temos controle do que estamos fazendo para se perder ou encontrar.

Tentando reconhecer laços sociais, o filme traz uma nova personagem que parece triste, confusa também, levando-nos a questionar se conhecemos as pessoas ao nosso redor, ou somente criamos algo sobre elas. Afinal não sabemos quem somos nós, ele ou ela. Somos apenas criações do campo das ideias.

Utilizando também um tom de sátira com recursos de ironia, o curta faz referência à artista performática Marina Abramovic, que busca a emoção e sensação das pessoas em suas intervenções. Porém, a compara com as noticias efêmeras dos portais jornalísticos que não trazem nada, não revelam nada e não impactam na nossa vida de forma contundente.

Em um momento de devaneio, o personagem até então estático entra numa mistura de cores e movimentos, psicodélicos até, sucumbir mais uma vez em seus pensamentos. Numa primeira análise, isto não me trouxe nada novo. Mas no exercício do laboratório de crítica, fui levada a refletir sobre os motivos daquele momento aparecer. E as cores, como também o movimento, me fez referência ao pensamento mutável, que nos torna seres humanos.

Enquadro o filme no campo ficcional. Não afirmo que cabe a mim essa responsabilidade. Mas vejo um filme de começo, meio e fim. Com elementos narrativos claros e expressando uma ideia objetiva, embora relacionada com o imaginário. O filme é “quadradinho”. Mesmo não concordando com todas as escolhas narrativas e muito menos afirmando que essa é a obra prima da mostra sururu, acredito que Hélio deu um bom primeiro passo para a experiência que é fazer cinema. O campo experimental não é o de Ânsia. Mesmo tratando de um experimento, o filme tem trama e efeito de ficção.

O curta me trouxe a tona o quanto estamos ligados na ansiedade do ser. Passando por conflitos mentais e sociais. Tudo passa pela mente de quem tem milhões de possibilidades e não consegue se fixar a um pensamento. O cinema possibilita a experiência de Hélio e nos presenteia, pois nem tudo está perdido. A história é real e é de todos nós que aqui habitamos em corpo e ânsia.

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