Crítica: Relato número um (dir. Elizabeth Caldas)

Texto: Nathália Bezerra. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Coreografia de um relato

O curta Relato número um conta com direção, roteiro, fotografia, montagem e atuação de Elizabeth Caldas e foi produzido em 2020, durante a quarentena. A presença marcante e inevitável dos cantos de casa e dos diferentes cômodos, corredores e cenas cotidianas: esbarrando na narração de um texto que já se inicia situando o contexto do curta diante de um “pesadelo acordado”. É nessa atmosfera de sonho e enclausuramento que a presença de um corpo contrasta com a ausência, ao mesmo tempo que reflete o período de isolamento social. 

A narração do filme é cuidadosamente emoldurada, contornando os diferentes espaços do que se habita: de um corpo que também é casa e território de existência. É nos silêncios e na força de um relato que toca, e que toca exatamente em algum ponto do corpo. Questões que se imbricam com os relatos e com a experiência singular de Elizabeth, que se coloca e sustenta o lugar íntimo e forte de roteirizar, dirigir, escrever e atuar: é com o corpo em cena que o curta acontece, trazendo o medo, a angústia, a solidão, a fragilidade, o incômodo. 

A primeira frase de um caderno novo, escrito “grupo de risco”. É diante da narrativa, textual e visual, que o curta contorce e passa pelas dores, pela violência, pela invisibilidade e da pergunta que ressoa: quais corpos merecem viver? É também marcante a forma como há uma marca que esbarra, também, no isolamento social: “o corpo gordo já é isolado socialmente”. A partir da fala e, talvez mais do que isso, de um movimento de corpo, há habitações possíveis que acontecem como um convite ou como uma provocação. 

 Há a insistência de um movimento que não acontece somente na sala, no corredor ou na cozinha de casa: é um baile cotidiano em torno da experiência e da existência do corpo de mulher. A expressividade e a condução da narrativa: que se inicia no silêncio de um “pesadelo acordado” e eu diria que não somente se encerra, mas abre as portas para uma continuidade possível em seus últimos minutos: com uma dança. 

Diante dessa insistência no bailar dos corpos, o relato número um pode ganhar outros contornos, outros números: dois, três, quatro. A existência de um corpo, e mais do que isso, de um corpo de mulher, que convoca a um não esgotamento: é preciso narrar existências, sobrevivências e outras narrativas possíveis diante do mundo. É verdadeiramente um relato único, mas talvez não de uma pessoa só: que seja esse convite para relatos e danças possíveis. 

Texto realizado como exercício da Weboficina de Crítica Cinematográfica

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