Crítica: Wal Kawalga (dir. Wladymir Lima)

Texto: Chico Torres. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Manipulação enquanto criação em Wal Kawalga

No segundo dia da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, caracterizado por produções que valorizaram aspectos regionais e questões de gênero, Wal Kavalga, de Wladymir Lima, surgiu como uma solitária e bela fantasmagoria que, sobretudo, nos faz pensar de maneira ampla no significado do que é fazer cinema.

Os créditos inciais nos indicam que assistiremos a um mashup, ou seja, a uma livre manipulação de outros arquivos. Isso faz de Wal Kavalga um experimento de montagem, não propriamente um filme. Será? As imagens manipuladas são de um curta alemão de 1968, intitulado Weg zum Nachbarn (Caminho para o vizinho), de Lutz Mommartz. A sensação ao ver o curta original é a de estarmos diante de uma filmagem do começo do século 20, com película envelhecida e uma aura circundante que remete às primeiras fotografias reproduzidas. E qual a narrativa do curta? Bom, não há narrativa, simplesmente somos levados em um plano sequência pelo “galope” sexual de uma jovem mulher, de seu início quase tímido a seu ápice em orgasmo devastador.

Mas, gostaríamos de pensar a interferência de Wladymir Lima e a entendê-la como um autêntico processo criativo, ou melhor dizendo, entendê-la como filme. Quais modificações operadas pelo diretor que transformaram Weg zum Nachbarn em Wal Kavalga? Aquele é um curta de um pouco mais de dez minutos, enquanto que este possui quatro minutos apenas. Será que Wladymir utilizou os quatro últimos minutos do original ou optou por cortes imperceptíveis, conseguindo preservar a sensação de um plano sequência? Não sabemos e talvez só seja possível responder essas questões após uma análise minuciosa entre as duas produções. Há também um cuidadoso trabalho de fotografia, com a adição bastante sutil na gradação de cores, que parecem acompanhar o ritmo e as expressões de prazer crescentes da personagem. Por fim, temos como trilha sonora a Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner. Música emblemática, extremamente utilizada no cinema (O Nascimento de uma Nação, Oito e Meio, Apocalipse Now), e que conversa sugestivamente com o título.

Este tipo de interferência criativa, em que uma nova obra surge da colagem de outras, nos faz pensar o quanto o cinema está imbuído pela técnica enquanto processo artístico. Os elementos citados no parágrafo anterior são os mesmos que transformam imagens isoladas em uma composição coerente, em uma obra de arte: montagem, fotografia e outros recursos técnicos. Por isso Wladymir não apenas modificou tecnicamente uma obra original, ele fez um novo filme, mesmo sem nada ter filmado. A técnica veio a seu serviço como um potente processo artístico, provocando um novo olhar e nos instigando a pensar, sobretudo, no que significa fazer cinema.

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