Crítica: Metrópole do futuro (direção coletiva)

Texto: Chico Torres. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

O crescimento de uma cidade e de suas contradições

Metrópole do futuro é um documentário sobre visões de mundo, discursos acerca de um lugar, pontos de vista, enfim, sobre pessoas e suas perspectivas. É, portanto, um olhar que se atenta aos diferentes pontos de vista em relação a um mesmo cenário. Este cenário visado é Arapiraca, segunda maior e mais desenvolvida cidade de Alagoas. Ela é apresentada no documentário como “metrópole do futuro”, alcunha que talvez tenha surgido pela primeira vez em uma reportagem da revista Veja sobre cidades do interior do Brasil que passavam por um rápido desenvolvimento urbano. Ao nos expor uma cidade do interior alagoano marcada pelo avanço e pelo progresso, o documentário acaba por estimular uma série de questionamentos sobre o que é estar em uma cidade, o que representa este “futuro” e quem são e o que pensam as pessoas que vivem nesta realidade em constante mutação.

No início vemos o que parece ser o desejo de nos revelar um autêntico interior alagoano. Não é em Arapiraca que estamos, mas em município vizinho: Girau do Ponciano. Conhecemos rapidamente a casa da família de Lília, jovem que foi viver em Arapiraca ao ingressar no curso de história da Universidade Estadual de Alagoas. Em uma das cenas deste início interiorano, Lília aparece ao lado de sua avó, Lindinalva Silva, benzedeira da região. Esta senhora, em sua nostalgia, está a falar em tom de lamento e revolta, comparando os valores do passado com a “perdição” do presente. Mas, de repente, o depoimento é interrompido, pois alguém lá fora soltou as ovelhas de dona Lindinalva e elas acabaram invadindo a cozinha da casa. Primeiro uma mulher invade a cena e dispara em direção à cozinha, para logo em seguida Lindinalva e Lília, sem outra alternativa, se levantarem para acudi-la. O intrigante é que a câmera continua a filmar e, de maneira trôpega e desfocada, tenta registrar a confusão que se estabeleceu no local. A câmera absorveu inteiramente aquele incidente, tornando-se parte dele. O problema é que, ao nos expor essa abordagem mais arriscada, o filme parece querer nos indicar um tipo de linguagem que irá compô-lo. Mas isto não acontece. Ele prossegue, até seu final, de forma completamente comportada. Um trecho singular, mas que se torna um “corpo estranho” por não se relacionar com o restante do filme.

Além de Lília, de maneira paralela somos apresentados a Antônio, Youtuber que também reside em Arapiraca. São eles que nos levam para o novo cenário que se “levanta” e quer transformar a cidade do interior em metrópole. E o tempo inteiro o filme quer destacar as múltiplas contradições ali existentes: verticalização e abandono; avanço econômico e miséria, tecnologia e tradição; futuro e passado; esclarecimento e ignorância. Ficamos com a sensação de que estes opostos convivem e que em certo sentido se completam. Todos estes aspectos permeiam também o modo de ser de Lília e Antônio. Eles não são apenas possivelmente opostos entre si, mas são opostos em si mesmos. E quando, pouco a pouco, passamos a conhecer seus anseios, medos e suas considerações sobre aquela cidade, vemos o quanto eles estão confusos em relação àquele “monstro” que cresce desenfreadamente. A cidade avança, mas sempre deixa algo para trás. O progresso chega, mas os entulhos e as ruínas se amontoam ao seu redor.

Metrópole do Futuro é um documentário honesto e de personagens cativantes. Lília e Antônio atraem o olhar do espectador, pois estão completamente confortáveis diante da câmera. O tema pode ser um tanto sombrio, mas foi apresentado com leveza e com um bom humor que, na medida certa, ora se torna ácido, ora aparentemente ingênuo. Arapiraca aparece como personagem principal, sempre sob a perspectiva da contradição, posta neste lugar incômodo e mal resolvido entre interior e metrópole, entre o passado e o futuro. Parafraseando Lília, Arapiraca está crescendo sim, mas ela tem dois lados. O lado bonito e o lado que o poder público não olha, o lado esquecido. Sabemos que estas contradições só tendem a se aprofundar naquela cidade, porque sabemos que é sempre assim que se faz uma metrópole do futuro.

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