Festival Alagoanes: é sobre nós

Texto: Ronald Silva. Revisão: Larissa Lisboa.

Considero importante perceber que quando falamos de algo ou alguém, estamos falando também de nós; aliás, mais de nós. Pois é a nossa visão daquilo ou daquela pessoa. Do que dispomos de informações, experiências e emoções, para fazer essas leituras. E quando a gente vê algo que nos toca, que faz a gente se importar, amar, a gente não quer só ver: nós queremos fazer parte, de algum jeito.

Falamos o que somos e queremos ser aquilo que nos cativa.

Quando eu vim de Santana do Ipanema pra visitar Maceió aos 12 anos de idade, eu assisti ao meu primeiro filme no cinema. Já era fã de filmes, de ficar indo sempre em locadora, para desespero financeiro dos meus pais. Ir ao cinema foi uma experiência muito marcante, mas o cinema já era uma força transformadora na minha vida. Já promovia mudança e me movia. Ainda assim, era um encanto de coisas distantes de mim.

20 anos depois, a cena audiovisual de Alagoas faz 100 anos de sua primeira experiência, “Carnaval em Maceió”, dirigido por Guilherme Rogato, italiano residente na capital alagoana, em 1921. E foi através desse marco histórico que o Portal Alagoar, também completando 6 anos de pura resiliência e dedicação pelo cinema alagoano e brasileiro, através de projeto de Karina Liliane e Larissa Lisboa viabilizado por editais da Lei Aldir Blanc, realizou a primeira edição do Festival Alagoanes, pelo centenário da cena audiovisual de nosso estado.

O festival seguiu o formato remoto devido a crise sanitária da Covid-19 – que segue se agravando a mais de um ano no Brasil, devido ao projeto genocida do atual (des)governo federal – e realizou 30 dias de programação com 94 filmes produzidos em Alagoas, entre longas e curtas, distribuídos em 24 sessões com 13 temáticas, que puderam ser assistidos na internet a qualquer hora e de forma gratuita. Além de transmitir 26 debates com realizadoras e realizadores dos filmes que estiveram em cartaz, seguindo as temáticas das sessões (todos ainda disponíveis no canal do YouTube do Alagoar). Fora isso, promoveu 6 oficinas formativas em cinema, todas gratuitas e diversas, com o propósito comum de uma aprendizagem ao audiovisual que descolonize e emancipe, buscando mais que representatividade, e sim formas efetivas de gerar proporcionalidade de ocupações por quem sempre teve seus direitos subjugados, acessos negados e que merecem ter suas trajetórias definidas por suas potências e talentos: pessoas pretes, pessoas trans, mulheres, populações das periferias do capitalismo e nossos povos originários.

Foram tantas conversas valiosas, tantas experiências singulares e tantas obras refletindo a força de tudo o que nós temos, inclusive do que falta ser feito, que chamar de celebração é realmente muito pouco. Se tornou um autocuidado com aquilo que, em meio a todas as crises em todos esses anos, jamais cessou: a dedicação de quem trabalha pela manutenção do nosso cinema, senão realizando, resgatando memórias do que já foi realizado.

Foi sobre fazer, exibir, assistir, discutir e acolher aquilo que é nosso. Que somos nós ou o que precisa ser, com urgência. E pensar o cinema com aquilo que é urgente.

As vezes eu chorava vendo a algum dos filmes em cartaz e me perguntava se o filme de fato era emocionante a esse ponto mesmo ou era o peso do momento, as emoções reviradas, a alegria de ver tudo isso poder acontecer com a saudade de como poderia ser se não fosse a pandemia e a necropolítica bolsonarista. Mas não foi uma coisa ou outra: foi tudo isso ao mesmo tempo. É como muitos filmes daqui foram feitos; mais rojão que condições, mas com uma baita sina pra ser feito.

Esse cinema representa tanto e tanta gente, num conjunto de ações de puro desbravamento, mantidas pelo ímpeto de quem se vê nessa chama do querer fazer parte, por se importar, por amar. E o Festival Alagoanes serviu de adubo para fortalecer o solo de nossa cena, repleto de boas sementes.

Em “Subsidência” (Direção de Beatriz Vilela e Marcus José, 2020), um dos filmes marcantes em cartaz no festival, e que foi constituído a partir das destruições provocadas pelo crime da mineradora Brasken, provocando o afundamento de pelo menos 4 bairros da capital e expulsando mais de 40 mil pessoas de seus lares, ao final surge uma frase de Dirceu Lindoso: “Alagoas é aquilo que se ama e dói”.

E é por isso que vem a felicidade pelos 6 anos de Alagoar e pela primeira edição do Festival Alagoanes. Por servir esse Amor, em meio a tanta dor, através do cinema. Uma missão que segue, com a resiliência e a potência que os últimos 100 anos audiovisual de Alagoas têm.

E continuará tendo. Enquanto houver por aqui alguém querendo ser cinema, sobre nós.

PS: Fui, com muita honra e orgulho, uma das pessoas convidadas para mediar os debates do festival, por 6 noites. E ainda fui alune da oficina “Cinema de Guerrilha” direcionada a pessoas LGBTQIA+, com o cineasta Rosa Caldeira, que ocasionou no primeiro filme que fiz na direção, como exercício de conclusão: o curta “Sereia”. Oportunidades tão inesquecíveis e profundamente importantes pra mim que não vou conseguir transmitir tudo o que sinto em um texto. Mas sim, numa palavra: Gratidão!

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