Pensamentos de quem guarda a memória: conheça Larissa Lisboa

Texto: Laís Araújo. Ilustração: Weber Salles Bagetti. Fotos: Alice Jardim e Amanda Nascimento.

A cada vez que um filme alagoano é selecionado para um festival, a jornalista maceioense Larissa Lisboa, 35 anos, quer saber os detalhes. Em seguida, engrossa coro às insistências de levar adiante o que se produz aqui, realizando publicações na plataforma que criou e que cuja dedicação sustenta: o Alagoar. Apesar de inevitavelmente lembrada pela preservação de memória, as funções de cinema que ela escolhe para se autodescrever são outras — montadora, making of, diretora, produtora. E Larissa é todas essas coisas: já participou de mais de 39 obras*, atuando em etapas diversas do cinema.

“Lembro que assistir filmes me movia desde a infância, expandia o meu conhecimento e visão. Tinha uma sensação de proximidade que me fez ir atrás de estar o mais próxima que pudesse”, conta. Na faculdade, descobriu a existência do cinema feito em Alagoas. Então, participou de oficinas, e organizou uma palestra aberta ao público para expandir esse conhecimento.

Essa vontade de multiplicar aprendizado parece andar junto à Larissa. Além de publicizar os acontecimentos da cena local na plataforma que criou, ela é ainda coordenadora do Ateliê de Cinema do Sesc. A cada edição, um novo filme é criado, e novas pessoas aprendendo processos do cinema – produção, roteiro, edição, e a complicada tarefa de dirigir coletivamente. A iniciativa é uma das poucas oportunidades de formação em audiovisual que existem em Maceió, mas Larissa idealiza uma situação diferente.

“Meu maior sonho era ter um cenário sustentável para o audiovisual alagoano, em que tivéssemos formação gratuita em todos os níveis, incentivos para produção audiovisual público e privado anualmente, recursos para manter cineclubes em todas as cidades de Alagoas, que fossem mantidas salas de cinema nas microrregiões, munidas também de salas de edição e equipamentos para filmagem.”

Quando perguntada sobre desejos para si, Larissa faz uma curva e fala do coletivo de novo. “Existe muita coisa que eu não fiz ainda e que quero fazer, mais ainda coisas que eu nem sei ainda que quero fazer. O Alagoar me ajudou e ajuda a conhecer muita coisa que eu nem sabia que eu queria fazer. Desde expandir a minha compreensão sobre como dialogar sobre a produção audiovisual alagoana, até o desejo de publicar livros que falem sobre filmes, cineastas, memórias, passando também pelo desejo de somar mais junto a formação livre em audiovisual.”

Making of Contos de Película (2009). Foto: Alice Jardim.

Larissa Lisboa em depoimento para Laís Araújo.

Alagoar: reconhecimento e cansaço

“Trabalhar no e pelo Alagoar é uma das melhores coisas que fiz, faço e farei na minha vida. Desde o dia em que Amanda Duarte me propôs retomar o site sinto que é um investimento valioso. Vibrava em 2015 a cada filme que encontrava on-line, porque poderia cadastrar e divulgar, do mesmo jeito que vibro hoje ao receber o cadastro de uma obra audiovisual.

Em 2016 comemoramos um ano de Alagoar. Nessa época reafirmei e dimensionei o compromisso que estava assumindo ao continuar nessa iniciativa independente do desgaste e das frustrações, guiada pelo encantamento que sinto em reunir esforços individuais e coletivos, mesmo nem sempre tendo dimensão do quanto eles podem empoderar e semear.

Boa parte do cansaço e das frustrações me visitam e visitarão, diante da inexistência de diálogos principalmente. O Alagoar apresenta o resultado do que foi colhido em colaborações individuais e na construção coletiva do cenário do audiovisual alagoano. E ele poderia ser inúmeras vezes mais diverso, se as pessoas se apropriarem e cuidarem dele sistematicamente.

Agradeço imensamente as colaborações eventuais, compreendo que isso seja um reflexo do formato não remunerado e voluntário que trabalhamos. Passo por cima do cansaço inúmeras vezes para investir em estabelecer contatos, pela consciência de que é importante renová-los e dar continuidade a eles. Reconheço o quanto o Alagoar me empodera e fortalece, aprendo a expandir a minha visão e minha compreensão através das vivências que ele me proporciona.

Compreendo e agradeço as citações referentes a minha importância e a importância do Alagoar para o cinema feito em Alagoas. Sinto estímulo, mas também sinto ausência, ausência da compreensão de que o reconhecimento pode ser em menções e ações. Sinto que há reconhecimento, mas também sinto que há desconhecimento ou incompreensão de que o trabalho realizado no Alagoar pode ser fortalecido.

Making of Cia. do Chapéu (2011). Foto: Amanda Nascimento.

Sobre um cinema e uma identidade alagoana

“Considero que existe uma cena de cinema alagoano.

Parto da compreensão que nenhuma descrição vai representar a dimensão do cinema feito em Alagoas, ou em qualquer outro lugar, meu maior desafio é não corroborar reducionismos. Uma descrição minimamente diversa e representativa contempla a cena como um espaço em construção e crescimento.

Uma cena com filmes realizados com recursos próprios e com recursos de editais públicos, com obras ficcionais, experimentais, documentais e animações. Uma cena que ainda tem limitações, que precisa investir mais em formação, produção, descentralização, difusão, valorização das pessoas negras, indígenas, transexuais e das mulheres.

A maior qualidade do cinema de Alagoas é a humanidade que ele registra, abraça, com a qual ele dialoga para construir as obras e através de suas obras. Acredito que o cinema não é definido por sua qualidade estética, por isso as maiores qualidades que reconheço no cinema de Alagoas perpassam pela vivência proporcionada, por personagens e narrativas construídas.

Já uma grande fragilidade é a ausência de abertura nos processos para consultorias ou análises críticas. Isso é algo que reconheço também no meu processo de feitura dos meus filmes. Ainda há um temor em se expor à críticas, assim como também há um temor em ser crítico, em exercitar a crítica.

Sou declaradamente uma apaixonada pelo cinema alagoano, muitas vezes quando falo da produção local exalo a admiração que sinto pelos que aqui produzem, pelos que atendem ao desejo de contar histórias e buscam dialogar através da produção audiovisual.

O cinema alagoano é minha filmografia preferida. Entre os muitos preferidos: Encanto Desencanto Encanto, Colapsar, Estação Aquarius, O ebanista da beira mar, Retina, Coração sem freio, Dialetos, Minha Palavra é a Cidade, entre outros.”

Também acredito que exista uma identidade alagoana, mas não acredito que ela possa ser representada sem que se busque abraçar a diversidade e a pluralidade de vozes que a constroem. Acredito que a identidade é um conjunto de características, que não definem, mas que projetam origens e referências sociais e culturais de uma pessoa ou de uma obra artística. O Alagoar é uma busca em expandir a identificação do público com a produção audiovisual alagoana, compreendendo produção como o que é produzido com recurso – humano e financeiro – alagoano.

****

Nota: Larissa gostaria de contemplar pesquisas e reflexões sobre a relação entre a identidade alagoana e as produções audiovisuais realizadas em Alagoas. Contribuições podem ser enviadas para: audiovisualagoas@gmail.com

Making of Meu Lugar (2019).

*Filmografia de Larissa Lisboa:

1. A mão no ombro, dir. Nilton Resende (inacabado, 2000) – continuista
2. O homem sem limites, dir. Claudionor Brasil (inacabado, 2006) – continuista
3.
Azul Turquesa, dir. Lis Paim (inacabado, 2006) – produção
4.
Dias de ocupação – Por uma Universidade Popular, dir. Rafael Cavalcanti (2008) – imagens e roteiro
5.
Acordes de Fernão Velho, dir. Ivo Farias (2008) – imagens
6.
Mané Gostoso, dir. Alice Jardim (2009) – som
7.
19:45h – horário de Brasília, dir. Henrique Oliveira (2009) – making of
8.
Maré Viva, dir. Alice Jardim e Lis Paim (2013) – assistência de produção
9.
Tudo Embora, dir. Henrique Oliveira (2013) – making of
10.
Bonita, dir. Marianna Bernardes (2014) – making of
11.
Roupa Qualquer, direção coletiva (2016) – argumento, elenco e voz
12.
Delas, dir. Karina Liliane (2017) – produção e montagem junto a Karina Liliane
13.
Ilhas de Calor, dir. Ulisses Arthur (2019) – assistência de produção
14.
Vamos ficar sozinhas, dir. Leonardo A. Amorim (2019) – making of
15.
Projeções (direção, 2007)
16.
Na Mão (direção, 2007)
17.
Vertigem (direção, 2007)
18.
Asim (direção, 2008)
19.
Hmmm (direção, 2017)
20.
Minissérie Refletida Retro (direção, 2017)
21.
Casario (direção, 2018)
22.
Tapete – Minissérie Cali+eidós+scopo+io (direção, 2018)
23.
Outro Mar (direção, 2018)
24.
Ponto de Passagem (direção, 2019)
25.
Dia de Branco (direção, 2007)
26.
Efernescer (direção, 2008)
27.
Celso Brandão (co-direção, 2008)
28.
Contos de Película (direção, 2009)
29.
Sala de projeção (direção, 2009)
30.
A idade da coruja (direção, 2009)
31.
Poças dos Martírios (direção, 2011)
32.
Cia do Chapéu (direção, 2011)
33.
Boulevard – Minissérie Cali+eidós+scopo+io (direção, 2013)
34.
Série Diário Refletido (direção, 2014-2016)
35.
Para Satuba (direção, 2016)
36. Roupa Qualquer (argumento, 2016)
37.
Entrerio (direção, 2017)
38. Meu Lugar (direção, 2019)
39.
Carta para Paulo (direção, 2020)

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