Renata Baracho, entre memórias e imagens

Perguntas e revisão: Larissa Lisboa. Respostas: Renata Baracho. Foto em destaque: Fernando Brandão.

Guiada pelo desejo de dar continuidade ao diálogo sobre a presença das mulheres junto as imagens no audiovisual alagoano, Larissa Lisboa construiu esta entrevista junto a fotógrafa, jornalista e realizadora audiovisual Renata Baracho. Em uma década atuando e colaborando junto a curtas em diversas funções ligadas a fotografia e autoria, Renata está desenvolvendo o seu terceiro curta, Impedimento, contemplado no Edital do Audiovisual de Maceió 2019, que é o primeiro filme dela realizado com recursos públicos, no qual é responsável pelo roteiro, direção e codireção de fotografia.

Larissa Lisboa: Como teve início a sua relação com a fotografia?

Renata Baracho: É difícil identificar esse início, porque foi muito cedo, numa fase que tem um monte de coisa rolando e, pela idade, a pessoa nem percebe. Lembro de ter tido uma época na infância em que eu não gostava de sair nas fotos, fazia careta, pedia pra tirar a foto ao invés de estar nela. Depois, ali pela pré-adolescência, ganhei de presente dos meus pais uma câmera analógica azul de plástico que eu adorava porque me parecia de brinquedo – mas mesmo assim funcionava. Fotografei pouco com ela, mas penso que de alguma forma aquilo me despertou, porque foi onde iniciei o costume de ter uma câmera sempre comigo. Ela veio com algum defeito e toda foto que fazia, quando revelada, aparecia com algum “efeito especial” – penso, hoje, que ali mesmo eu já estava aprendendo sobre a importância das imperfeições.

Depois, na adolescência, tendo acesso à internet de vez em quando, o pouco tempo que eu tinha, eu dedicava a ver blogs, fotos no flickr e fotolog, tudo isso mesmo antes de ter uma câmera digital. Acho que era a minha forma de encontrar pessoas que possuíam o mesmo interesse, já que ninguém muito próximo a mim, naquela época, se interessava tanto pelo universo das imagens e da arte de forma geral.

Anos depois, quando finalmente conheci pessoas que não apenas tinham esses mesmos interesses mas também já trabalhavam na área, começaram a surgir oportunidades de integrar equipes, participar de projetos e eu me senti estimulada a continuar experimentando, aprendendo, fazendo.

Mesmo depois de realizar os meus primeiros trabalhos remunerados, eu tinha uma dificuldade em me entender como fotógrafa. As pessoas perguntavam ou me apresentavam como tal e eu costumava dizer “não sou fotógrafa, só faço umas fotos”. Levou um tempo para definir para mim mesma que “ser fotógrafa” não diz respeito ao meu trabalho e sim a quem eu sou e como me expresso no mundo, resultando quase sempre em fotografia – fixa ou em movimento.

LL: Como descreveria a sua relação com as imagens fixas? E com as imagens em movimento?

RB: Ambas abriram mundos na minha cabeça. Foi por contas das imagens fixas que eu entendi que produzir imagens em movimento, vídeos, “fazer cinema”, também poderia ser pra mim. Hoje, encaro as duas como possibilidades para desenvolver algo, seja em projetos pessoais, em trabalhos com minha produtora Meraki Lab ou em projetos de outras pessoas e coletivos.

LL: Como descreveria a sua relação com a câmera fotográfica? 

RB: Não demorei a perceber que a foto nasce por meio do olhar atento e aí, através de uma câmera, se consegue registrá-la. Digo isso porque já fiz muitas fotos, das quais me lembro mesmo depois de muito tempo, sem estar com a câmera pra registrar. Mas, como fotógrafa que anda de braços dados com a saudade, gosto sempre de ter a possibilidade de registrar para rever e compartilhar com outras pessoas. Quer seja com a câmera do celular, analógica, dslr, enfim… não tenho muito apego a um equipamento específico, tenho apego a essa atividade natural de olhar sempre buscando. E, quando acho, é ótimo. Se tiver uma câmera em mãos, melhor ainda.

LL: Qual foi a primeira vez que você fez still de um filme?

RB: Foi em 2009, a convite do Henrique Oliveira, no 19h45 Horário de Brasília, acredito que foi a primeira ficção dele. Foi um filme realizado todo na parceria, rodado com uma Sony Pd-170. Lembro que não pude participar de todas as diárias, mas foi incrível presenciar pela primeira vez aquele universo. Eu sabia quase nada sobre aquilo, mas Henrique tinha visto umas fotos que eu fazia e começou a me convidar para os projetos dele (ele foi a primeira pessoa que conheci que trabalhava com audiovisual), a partir daí busquei sempre entender qual era o espaço que me cabia em cada projeto, qual era minha função, até onde poderia ir e tal. Ter começado a trabalhar com cinema fazendo still e making of foi fundamental para mim, porque me deu uma visão mais geral do set – mesmo os sets mais simples (em termos de composição de equipe e de verba). Mesmo ainda sem saber o nome que se dava a determinadas funções, por exemplo, eu comecei a entender o papel, a postura profissional, o respeito, os silêncios necessários. Enfim, essa primeira experiência foi muito importante, assim como cada set continua sendo até hoje para mim.

Foto: Victor Viana

LL: Como teve início o seu diálogo com a direção de fotografia? Como foi a primeira vez que trabalhou na direção de fotografia de um filme?

RB: Penso que foi um movimento natural dentro da minha relação com o audiovisual, apesar de toda insegurança que eu carregava comigo por não ter tido uma formação mais formal – teórica e prática – na área. Minhas primeiras experiências dentro de um set foram fazendo still e making of, depois passei a trabalhar com 1ª assistência de câmera em curtas, até conseguir me colocar – para mim mesma e para os outros – como diretora de fotografia e começar a receber convites pra assumir a função. Mas, antes disso, a primeira vez que trabalhei na direção de fotografia foi 2012, no curta 12h40, de Dário Jr. O filme foi fruto da oficina “Da lauda ao filme”, conduzida pelo professor Almir Guilhermino, da Ufal. Olhando pra o resultado final do filme, tenho algumas frustrações com o meu trabalho e também com a forma que o filme foi finalizado, mas acredito que faz parte do processo e, assim como todas as outras pessoas, eu estava – e continuo – aprendendo.

O que carrego de mais importante daquela experiência são os vínculos com colegas de classe (a maioria de nós cursava jornalismo ou relações públicas) que se tornaram amigas e amigos e que hoje são também grandes profissionais e parceiras(os) de trabalho que admiro demais. Já em 2014 abri minha produtora Meraki Lab e passei a assinar a direção de fotografia de todos os projetos. Acredito que isso também ajudou muito a construir essa confiança para, um tempo depois, voltar a assinar a direção de fotografia de outros filmes.

LL: Como você vê o diálogo entre assistência e direção de fotografia?

RB: Acho que o primeiro ponto é esse: o diálogo é fundamental. Cinema é equipe, quase como um corpo só onde cada parte tem sua devida importância. O objetivo deve ser fazer com que tudo funcione bem. E, resumidamente, o papel de quem está na assistência de fotografia é dar conta de tudo que diz respeito à câmera pra que a(o) profissional que tá na direção de fotografia possa se concentrar no que diz respeito às escolhas narrativas da fotografia daquele filme.

Todas as vezes que trabalhei como 1ª assistente, sempre busquei exercer minha função de forma ágil e atenta para que tudo pudesse ser feito de forma a não atrasar o set e a entregar o melhor resultado. A depender de quem está na direção, há espaço pra construção conjunta, diálogo, sugestões etc. Gosto muito quando sinto que existe essa possibilidade porque todo mundo tem pontos de vistas diferentes que podem agregar demais nas tomadas de decisões no set e é por isso que eu, enquanto diretora de fotografia, também busco sempre deixar esse espaço aberto.

LL:  Qual a sua relação com a operação de câmera em sets que você exerce também a direção de fotografia?

RB: Isso pode mudar um dia, mas hoje não consigo desvincular meu trabalho de direção de fotografia da operação de câmera. Sinto que penso melhor e consigo traduzir de forma mais fiel o que penso e sinto quando estou com o equipamento nas mãos.

LL: Como é a sua preparação para o estudo do roteiro/narrativa na preparação de um trabalho em direção de fotografia?

RB: Gosto de entender bem as intenções do projeto, do roteiro, da diretora/do diretor, então recebo o roteiro, leio e me permito tentar visualizar ali os planos, os movimentos, as necessidades que aquela narrativa sugere para fotografia. Nessa primeira leitura também já identifico quais são as minhas dúvidas sobre o roteiro. Sempre gosto de saber se existem referências – filmes, fotos, livros etc – e, se sim, busco me alimentar também desse imaginário que ajudará a compor aquela história para que, na primeira conversa com a direção, a gente possa fazer uso dessas ideias e começar a definir o que será levado para o filme. Isso inclui a escolha da câmera a ser usada até as intenções de determinado movimento em alguma cena, por exemplo.

LL: Como você sente a atuação das diretoras de fotografia em Alagoas?

RB: Acho que ser diretora de fotografia, seja lá onde for, não é tarefa fácil. E percebo que é na conversa (não só sobre as dificuldades) com outras pessoas – principalmente mulheres – da área que me fortaleço e alimento meu conhecimento e minha confiança em assumir essa responsabilidade e topar novos desafios.

Aqui de Maceió eu conheço algumas (Alice Jardim, Amanda Môa, Flávia Correia, Jul Sousa, Juliana Barretto, Mayra Costa, Rita Moura, Vanessa Mota foram as que vieram agora na cabeça, mas sei que existem e quero conhecer mais!) e admiro muito o trabalho delas, busco sempre indicar quando não posso assumir alguma função pra qual eu fui chamada ou mesmo pra compor uma equipe na qual eu estarei.

Não conheço diretoras de fotografia em outras cidades de Alagoas, por exemplo, mas sei que elas existem (a gente sempre existe). Gostaria muito de ter espaços que proporcionassem mais aproximação, trocas e diálogos entre nós. Temos o grupo Mulheres da Imagem-AL, que abrange todas as atuações no campo da imagem, e já é ótimo ter esse espaço. Mesmo assim, sinto uma necessidade de ambientes mais focados nessa área para evoluirmos em conjunto em termos de conhecimento teórico e técnico específico, trocas de informações, referências e também para estimular a quem quer começar, além de fomentarmos cada vez mais equipes de fotografia compostas por mulheres.

Making of de Vamos Ficar Sozinhas. Renata Baracho e Amanda Môa. Foto: Larissa Lisboa.

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Renata Baracho é fotógrafa, jornalista (UFAL) e realizadora audiovisual, tendo estudado realização de documentários na EICTV/Cuba e realização cinematográfica na AIC/SP. Trabalha com fotografia desde 2008 e com cinema desde 2009, atuando principalmente como diretora, diretora de fotografia, 1ª assistente de câmera e fotógrafa still em curtas-metragens em Alagoas. É diretora de fotografia e montadora em todos os projetos da sua produtora Meraki Lab desde 2014.

Seus trabalhos mais recentes são: “A gente foi feliz aqui” (Projeto de Paulo Acioly, 2020-2021) – coprodutora e making of; Subsidência (dir. Beatriz Vilela e Marcus José – 2020) – codiretora de fotografia; Impedimento (prod. Meraki Lab, 2020) – roteirista, diretora e codiretora de fotografia; Colapsar (dir. coletiva, 2019) – codiretora, codiretora de fotografia, e montadora; Lugar de cinema (prod. La Ursa, 2019) – diretora de fotografia; Vamos ficar sozinhas (dir. Leonardo Amaral, 2019) – diretora de fotografia; Remodelando o mundo (dir. Ulisses Arthur, 2019) – diretora de fotografia; Feirinha (dir. Maysa Reis, 2019) – diretora de fotografia; Tambor ou bola (dir. Sérgio Onofre, 2019) – assistente de câmera; Trincheira (dir. Paulo Silver, 2018) – 1ª assistente de câmera; Wonderfull – Meu eu em mim (dir. Dário Jr., 2016) – assistente de câmera; Minha palavra é a cidade (dir. Taynara Pretto, 2016) – codiretora de fotografia.

Renata também foi instrutora de direção de fotografia e som no projeto Ateliê Sesc de Cinema nos anos 2017 e 2018, e instrutora de montagem em 2019.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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