tempourge

TEXTO: nathalia bezerra. REVISÃO: Tatiana Magalhães. Imagem: divulgação

texto sobre a sessão tempos urgentes na 12ª mostra sururu de cinema alagoano

é interessante notar que os quatro filmes escolhidos para essa mostra partem de quatro localizações distintas. não somente geograficamente. um conta a história de um bairro (A Gente foi feliz aqui), outro de uma gruta (A Última saída), outro de uma rua (Rua Humberto Lopes) e outro de uma família (Do Circo à lona). como se o fio que os conduzissem nos tempos urgentes o fizesse de um macro para uma esfera micro, ou o contrário. a potencialidade narrativa de se ouvir histórias que foram suspensas no tempo e que precisam ser contadas demanda sim, urgência.

enquanto nos outros três filmes fala-se em voltar pra casa, o filme do circo fala em saída. ou ainda: de uma casa que só existe no movimento de ir embora e existir em outro canto. de certa forma, fala-se sobre a restrição das formas de habitar: seja pra escolha de ficar ou de ir embora. são filmes sobre movimento e sobre formas de contar ou de reconstruir, por meio da narrativa falada, uma memória do que se tenta destruir. aqui, parece narrar uma memória do que parece resistir ao esquecimento.

o tempo que urge é também um tempo que grita. seja pelas ruas e pelas casas da cidade, pelos bairros quase afundados ou pelas histórias que tentaram ser engolidas e talvez aqui, virando imagem e cena, como forma de não se soterrar.

tal qual uma das histórias contadas no documentário A Última saída sobre a origem do nome gruta do padre e as diferentes versões sobre como se nomeou a gruta, é interessante chamar a atenção para uma certa função da mitologia que não é lúdica ou fantasiosa, mas é uma narrativa, que talvez exatamente pela estrutura de ficção assume um papel de registro, de marca. de história e de relação com o lugar. importa menos de onde veio ou qual seria a verdadeira origem do nome, e sim a forma como as pessoas contam as histórias sobre o lugar onde elas vivem. e essa é uma das coisas mais bonitas de se ver existindo e resistindo pelo cinema e que aparece, em suas formas singulares, nos filmes da sessão tempos urgentes.

produzir audiovisual é também produzir diferentes formatos de ruídos, gritos, ecos e silenciamentos. se o audiovisual tem a potência de tornar visível, seu oposto também acontece: há também escolhas de invisibilidade ou de silenciamento. e sustentar essa contradição e essa impossibilidade, que é marca da própria linguagem, que seja possível tensionar e produzir narrativas que passam pelos entremeios entre o visível e o não visível, entre o dito e o não dito. por se tratar de quatro documentários, em uma sessão que se propõe a falar de um tempo suspenso e urgente, talvez por isso as formas de contar histórias esburacadas seja também uma tentativa de fazer ecoar o não silêncio sobre elas. é exatamente nessa possibilidade de ruptura ou na linha tênue entre os ruídos e os silenciamentos que o cinema pode ser uma linguagem que existe entre as fissuras: essas mesmas que insistem em ecoar na fala das pessoas que relatam sobre suas casas, suas histórias, suas vidas e, sobretudo, sobre suas saudades.

se é pela saudade de voltar pra casa, pode ser também pela saudade de ir embora e de mudar a casa de lugar. e se o tempo urge pelo inabitável, talvez por isso não se acabe aqui.

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