Crítica: Metrópole do futuro (direção coletiva)

Texto: Beatriz Vilela. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Se a metrópole fosse nossa

Metrópole do futuro é um documentário, de direção coletiva, que tem como proposta trazer uma narrativa sobre as mudanças recentes ocorridas em Arapiraca. Calcado no cotidiano de dois jovens, ele mostra ao espectador que cidade é essa que se coloca como uma metrópole do futuro. O curta foi concebido a partir de registros que misturam o ritmo do desenvolvimento da cidade e o dia-a-dia de cada um. O trabalho, a faculdade, o lazer, o andar pelas ruas, os encontros ou até mesmo o ócio. Gestos prosaicos da vida no agreste que exploram as certezas e incertezas desse desenvolvimento.

O documentário constrói um percurso para mostrar, de forma autobiográfica, como Lilia Ferreira e Antônio Tenório carregam o imaginário da metrópole do futuro em seus discursos e práticas. Presente e passado intercalam-se nas narrativas contadas pelos próprios jovens que, ao descreverem como chegaram à cidade, nos permitem entrar em suas intimidades não apenas por suas falas, mas também pelas imagens de suas casas, seus caminhos e relações afetivas. Assim, pouco a pouco, histórias vão se confundido com as dinâmicas da vida arapiraquense.

Para Antônio, durante algum tempo, Arapiraca ficou pequena para suas aspirações. É como se seus planos não coubessem lá, e por isso sair da cidade lhe pareceu uma alternativa. No entanto, ele precisou ficar, enquanto que para Lilia parece ocorrer o inverso: ao sair de Girau do Ponciano, ela aposta na metrópole do futuro como um lugar de realizações. A força disso fica clara em cenas realizadas durante a visita que faz a casa de sua avó, que se contrapõe com as cenas em Arapiraca. Uma forma de expressar as relações entre o novo e o velho.

Antônio, youtuber de vinte e poucos anos, vive a cidade de um modo muito recluso. Temeroso com a violência, ele prefere investir nos divertimentos de ambientes fechados e seguros. Deste modo, casa e shopping são suas principais alternativas. Como qualquer jovem que não mora na capital, seu maior desejo era morar em Maceió e ser ator, mas, por conta dos obstáculos de sua vida ele se fixou em Arapiraca. Já Lilia, estudante de História na mesma faixa etária, partiu de Girau do Ponciano para Arapiraca para estudar na universidade. Essa saída parece ter demarcado uma mudança significativa na sua vida, de um lugar que não lhe oferece perspectiva e para outro, que pode permitir a realização de seus planos. Para ela, a cidade se coloca como um lugar para novas experiências e novos afetos.

A câmera buscou registrar diferentes ângulos da vida destes jovens. É como se quisesse capturar a naturalidade das ações. Por isso, às vezes, eles se comportam como se não estivessem sendo filmados. Em outros momentos, o filme articula cenas em que eles olham diretamente para a câmera. Essa proposta me pareceu um ponto forte do filme, pois consegue expressar uma consonância cinematográfica entre os discursos e as práticas.

Ao acompanhar o dia-a-dia de cada um conseguimos perceber que seus diferentes estilos de vida demarcam duas Arapiracas. A universidade está para Lilia, como o shopping está para Antônio. São visões de mundo que constroem modos distintos de viver a cidade. E isso fica muito presente nas imagens de seus cotidianos. Ao entrar no ônibus com Lilia ou acompanhar Antônio na moto, é como se estivéssemos bem pertinho deles, e essa proximidade vai crescendo a medida que visitamos os lugares que eles costumam frequentar, vê-los conversando com outras pessoas, fazendo compras.

Há de se frisar que essas “Arapiracas” possuem aspectos comuns. Afinal, o documentário também é sobre uma cidade que mudou, e a direção dessa mudança talvez seja o desejo de ser metrópole. Assim, essa mudança parece ter seguido o que Chico de Oliveira chama de um desenvolvimento com um ritmo desigual e combinado entre o arcaico e o moderno, o rural e o urbano, a tradição e a novidade. O curta buscou mostrar essas dualidades em diferentes gradações, com doses de humor e drama, por exemplo, quando Antônio apresenta seu perfume favorito no Youtube. Quando a avó de Lilia tenta espantar as cabras fui tomada pelo riso, mas quando eles relatam as dificuldades que lhes motivam a batalhar por seus sonhos, senti um aperto.

Em Metrópole do Futuro, observamos como as mudanças que levaram Arapiraca a se projetar nos imaginários de muitas pessoas como uma metrópole promissora não afetou a todos da mesma maneira. Através das falas e cenas da vida dos personagens se nota que, de modo muito singular, essas mudanças provocaram diferentes afetos que refletiram nas suas relações com a cidade.

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