Crítica: Minha Palavra é a Cidade (dir. Taynara Pretto)

Texto: Diogo Souza. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

É possível viver o que cantamos?

A palavra como recurso formador de imagens é uma característica da literatura que se estendeu para outros campos como a música e o cinema. Seja como protesto ou caminho para entoar memórias, a representação da cidade pela palavra diverge bastante de acordo com as vivências de cada um, principalmente em lugares que concentram muitas realidades, como Maceió. Partindo dessa atmosfera, o documentário Minha palavra é a cidade (2016), de Taynara Pretto, reúne quatro olhares sobre a perspectiva do rap e de sua circulação pela cidade, mostrando como esta se constitui pela palavra, discurso verbal e não verbal.

Primeiro entrevistado, o cantor Victor Pirralho (que já foi meu professor de Literatura), fala de sua história com o rap, afirmando o quanto as vozes da periferia são importantes para a construção desse gênero. Seja no centro ou na favela, para ele o rap é um movimento de expansão, em que uma pessoa pode escutar a voz da outra. As palavras do professor se misturam com as suas experiências pelo vaguear por Maceió e a sua apropriação da história da cidade em seu repertório musical. Assim, vemos o quanto é importante se identificar com a cidade para fazer da palavra uma forma de discurso urbano. Nesse percurso, o rapper como tradutor do impacto da vida citadina se sobrepõe, de certa forma, a uma obrigatoriedade de tratamentos de temas especificamente ligados ao contexto de periferia. Nas andanças do cantor durante o seu depoimento, a câmera nos coloca bastante diante do grafite, algo que poderia (ou não) ser mais explorado durante os momentos da entrevista.

Já o segundo entrevistado, um estudante de Matemática, morador do bairro Benedito Bentes, Will Grind, destoou um pouco do depoimento da personagem anterior. Em alguns momentos a sua relação com o rap cedeu espaço aos problemas sociais do bairro em que mora. Por outro lado, é possível pensar nesse procedimento como uma maneira de refletir mais sobre o materialidade em que Will constrói a sua música: o local em que habita. É claro que fazer essa passagem é uma forma de falar da palavra como recurso constitutivo da cidade. No entanto, senti que o lado pessoal, em algumas cenas, não foi muito bem relacionado ao rap. Meu instante favorito foi quando ele revelou que gazeava aulas de matemática no ensino médio para ouvir rap e, logo em seguida, surge uma placa em que o seu nome está como professor dessa disciplina. Nem sempre o que gostamos, em determinadas fases de nossas vidas, é o que desejamos fazer. Colocar isso em pauta apresenta que a arte, de forma geral, pode nos levar para lugares que podem demorar um pouco para fazer sentido.

Trazer uma rapper para compor esse quadro foi uma boa escolha, pois, geralmente, o rap foi um movimento musical que circulou bastante entre os homens e está, cada vez mais, sendo apropriado pelas mulheres. Mc Sakura estabeleceu o seu ponto de vista do bairro Virgem dos Pobres, comentando como o rap é uma espécie de educação do olhar para o que está em volta, uma vez que se utiliza de situações e vivências da comunidade, daqueles que estão à margem. De tão interessante, pensei que ela poderia ter mais tempo em cena. Meu momento favorito (de todo o filme) é quando ela cita um verso da Banda Vibrações em que diz para cantarmos o amor e viver o que cantamos. Porém, não vivemos o amor. E o filme passa muito rápido pra cena seguinte, num corte abrupto. Depois de uma fala tão impactante, valeria uma passagem de cena mais pausada, talvez, para refletirmos a intensidade das palavras que foram ditas.

O último entrevistado nos desloca do olhar adulto para o universo infantil. Ele é Mc Alisson, criança que canta a destruição da Vila dos Pescadores de Jaraguá, cuja esperança, sensibilidade e maturidade chegam a doer um pouco. Para ele, fazer rap é uma forma de manter viva a esperança nas mudanças sociais, posicionamento que dialoga, de certa forma, com os efeitos estéticos da arte. A voz do menino, o seu jeito de falar e a sua forma firme e inocente de olhar para o que está em volta me cativaram bastante, ainda mais quando o vi fora da sessão. Um doce de criança. A meu ver, esse foi um grande mérito do filme: trazer perfis diferentes em suas entrevistas, deixando mais rico o olhar sobre uma cidade que mostra e também oculta tantas vozes.

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