Crítica: O Canto (dir. Izabella Vitório e Isadora Magalhães)

Texto: Emanuella Lima.

Quem nunca viveu de saudade uma hora ou outra morre de amor. 

Com o pandeiro na mão, o relógio folgado no pulso e a música que se poetiza à contraluz, intensa e fugaz, faz ainda mais sentido pelo canto da saudade da Mestra Rosália. O filme O Canto, nos transporta para a essência da cultura fumageira de Arapiraca. Sob a direção habilidosa, somos levados a uma jornada poética e contemplativa, onde a música e a vida das destaladeiras de fumo se entrelaçam de maneira única.

A protagonista, Dona Rosália, personifica a força e a tradição dessas trabalhadoras. Seus óculos escuros e modo de andar são um testemunho visual de sua experiência e sabedoria acumulada ao longo dos anos. Através de sua voz marcante, ela expressa a saudade, o amor perdido e os desafios da vida cotidiana. Sua habilidade com o pandeiro é uma extensão de sua alma, tocando ritmos que ecoam a tradição alagoana.

O filme também mergulha nas raízes da economia de Arapiraca, intrinsecamente ligada ao comércio de fumo. Os fazendeiros que prosperaram nessa indústria contratavam destaladeiras, a maioria mulheres, para realizar o trabalho árduo de colher, secar e separar as folhas. Essas trabalhadoras cantavam enquanto executavam suas tarefas, transformando o trabalho em um momento de união e resiliência.

A trama do filme nos leva para o passado, emergindo-nos nos sons melancólicos da trilha sonora e nas cenas de prece silenciosa, onde a espiritualidade se entrelaça com a realidade cotidiana. A música é uma presença constante, desde o melancólico lamento da saudade até a alegria contagiante do coco de roda. Através dessas canções, o espectador é levado a uma viagem sonora pela cultura alagoana, sentindo a riqueza e a diversidade dos ritmos e temáticas abordadas.

O Canto é um filme que dá voz às personagens ao trazer suas histórias para o centro da trama, o curta nos convida a refletir sobre a importância dessas mulheres e a valorizar a herança cultural que elas representam. É um testemunho da resiliência humana, da capacidade de transformar o trabalho árduo em arte e da força da música como expressão de identidade coletiva.

Como quem ama o cinema, é impossível não se encantar com a maneira como as diretoras Isadora Magalhães e Izabella Vitória capturaram a essência da cultura fumageira de Arapiraca. A cinematografia cuidadosa nos campos de fumo, os varais onde as folhas secam, nos permite sentir a textura e a atmosfera desse ambiente. As performances das destaladeiras são autênticas e emocionantes, transmitindo a paixão e a devoção que têm por seu ofício.

Em suma,  O Canto é uma obra cinematográfica que nos conecta com a tradição e a alma da cultura alagoana. Através da música e das histórias das destaladeiras de fumo, somos levados a uma jornada emocional que nos faz refletir sobre a importância de preservar e valorizar nossas raízes culturais. É um filme que merece ser apreciado e celebrado como um tesouro do cinema alagoano.

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