Crítica: Queima Minha Pele (dir. Leonardo Amorim)

Texto: Matheus Chagas. Revisão: Tati Magalhães

Queima minha pele e uma câmera que deseja

A sensação que tive na sala é de urgência. Desde a primeira cena, com um monólogo narrado por uma tela preta, consigo sentir excitação, algo sobre a maneira como a história daqueles dois irmãos empunhando uma arma de fogo é contada, mas sobretudo a violência tangível quando Júlio anuncia: “e o mar rasgou em dois”. Há algo de profético nessa afirmação, um prelúdio que nos coloca em estado de vigilância, de que algo está prestes a acontecer.

Em Queima Minha Pele o corpo é o fio condutor de tudo, o filme todo parece estar suado, ofegante, correndo, como se corpos que lutam e se cortam e respiram cansados no chão estivessem a todo momento em um after sexo. É nesse sentido que o curta consegue me fisgar, não há receio em mostrar o corpo, não há medo de subverter o que pode ou não ser exposto, o que há de cômico na masculinidade heterossexual hegemônica e o quão homoerótica ela é.

A forma com que a violência aparece como algo que é aprendido, incentivado, reproduzido através de tudo que compõe a estética desse ser homem, a perspectiva em primeira pessoa de Counter Strike, que toma forma primeiro como um exercer da violência, que o irmão de Júlio observa no vídeo policial, e que depois torna-se um momento de reconexão entre os dois, que parecem estar em lados opostos desse mar rasgado.

Somos voyeurs dos desejos de Júlio, Rodrigo e Caio, espiando seus momentos mais íntimos, como quando Júlio observa Caio pela janela do quarto ou pela tela de seu computador. A câmera em Queima é uma câmera que deseja porque os corpos em cena são pulsantes, vivos, agressivos, suas coreografias são acompanhadas pela câmera de forma objetificada, queremos tocá-los, senti-los, suar junto com eles, apertar o gatilho e rasgar o mar em dois.

Em um momento em que a forma hegemônica sobre narrativas queer e dissidentes se afoga em uma normatização excessiva, em uma supressão do corpo e uma hipervalorização do romântico como algo oposto ao sexo, Queima Minha Pele se sobressai porque confirma que o corpo existe, que o movimento dos corpos é uma linguagem, que o sexo é uma linguagem e que o desejo é um motor.

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