Crítica: Queima minha pele (dir. Leonardo Amorim)

Texto: Ana Luiza Costa. Revisão: Tati Magalhães

Missa

Uma bala disparada percorre as ondas abrindo caminho no mar. Em movimento de parábola, que poderia aparecer no Livro dos Reis ou em algum outro do Novo Testamento, Leonardo Amorim nos apresenta uma relação trina, marcada pela adoração e atravessada pela violência e pecado. Construído como uma liturgia na qual muitas vezes espectadores também podem rezar, Queima minha pele (Leonardo Amorim, 2023) narra as nuances de desejo e pecado entre Caio, Júlio e Rodrigo.

Caio leva na mão a chaga aberta de seu martírio em manter-se num relacionamento unilateral com uma mulher virtual que, vista somente em ícones, é objeto de adoração, ira e sacrifício do jovem. Júlio deliberadamente entrega-se ao desejo carnal, prostrando-se frente à imagem de Caio, tomando seu corpo em espírito, num mistério de fé. Sua devoção ao amigo do irmão o leva a criar uma personalidade falsa online que o torne também, de alguma maneira, alvo de culto por este. E Rodrigo, que sacraliza a violência tendo muitas vezes seu irmão mais novo como cordeiro, alvo da cólera implantada pelo Pai. A tensão entre irmãos instiga a animosidade mútua, que se encadeia como entre Caim e Abel. Os três, por alguns momentos, tornam-se um só, não podendo saber o limiar do fascínio de um pelo outro.

Os barulhos fora da casa que anunciam o rito de violência prestes a ocorrer são como a antífona de entrada. Júlio, em sua via crucis, se vê cercado pelos amigos de Rodrigo, aguardando o calvário que o espera pela madrugada. Entretanto, tudo não passava de um trote, e a oferenda posta em sacrifício é a própria relação entre irmãos.
Na missa apresentada, a consumação é a redenção, que rompe com o maniqueísmo da purificação pelo sangue: é pela água do mar que o perdão destes homens se dá, colocando corpo, sangue, sacrifício e redenção sobre o altar.

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